inabalável Graça Foster sente o baque da crise na Petrobrás

Após escândalo, presidente da estatal enfrenta problemas de saúde e constrangimentos

 

Lourival Sant’Anna

Antes de a Operação Lava Jato deflagrar o maior escândalo de corrupção da história do País, três características eram centrais na identidade da engenheira química Graça Foster, presidente da Petrobrás: a saúde de ferro, apesar da absurda carga de trabalho autoimposta; o hábito de frequentar lugares públicos sem ser importunada; a inabalável concentração e frieza cerebral no trabalho. Na proporção em que abalam a imagem da maior empresa do País, as investigações e confissões têm um impacto também sobre a mais respeitada gestora do governo federal.

Aos 61 anos, o único médico que Graça frequentava, além da filha Flávia, médica dos bombeiros do Rio, era um endocrinologista, quando considerava que a ansiedade a havia feito comer um pouco mais e ganhar uns quilos: ao contrário de seu estereótipo, ela é vaidosa. Este ano, marcado pela resistência do governo em autorizar o aumento do preço da gasolina, causando um enorme prejuízo para a Petrobrás, e depois também pelo escândalo de corrupção, passou a tomar remédios para fortes dores de estômago. 

Antes do escândalo, Graça já era a primeira a entrar e a última a sair da estatal. Ela costuma chegar por volta de 7h e ficar até as 22h. As idas aos sábados e domingos são frequentes. E ainda leva relatórios para estudar em casa, voltando com eles marcados por anotações em vermelho. Mesmo assim, nunca havia demonstrado sinais de cansaço. Agora, traz uma expressão de exaustão.

Há cerca de quatro meses, a presidente da Petrobrás estava jantando em um restaurante da zona sul do Rio com o filho Colin, jornalista de 27 anos. Em uma mesa ao lado, começaram a lhe fazer acusações por causa dos escândalos na Petrobrás. Colin, de 2m05, ex-jogador profissional de basquete, quis sair no tapa com os vizinhos de mesa. Outros presentes tiveram de apartar a briga. 

Com sua energia inesgotável, Graça chegara a desfilar em várias escolas de samba em uma noite, embora sua preferida seja a do bairro em que morou a maior parte da vida, a União da Ilha do Governador. Sua única atividade física era caminhar na Praia de Copacabana, onde mora em um apartamento. Essa liberdade acabou.

Em seu depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, no dia 11 de junho, Graça deu uma amostra do impacto do escândalo sobre ela. Sempre firme e racional, a presidente desabou duas vezes. “Eu me nego a repetir essa palavra”, disse ela, referindo-se à expressão usada por Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, para quem a estatal fez “conta de padeiro” ao orçar a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, em US$ 2 bilhões, em vez dos atuais US$ 18 bilhões. 

“Eu acho isso uma coisa medonha. Em respeito à Petrobrás. A engenharia da Petrobrás é digna…” Graça fez uma pausa de 17 segundos, para conter as lágrimas. O deputado Marco Maia (PT-RS), relator da CPMI, perguntou se ela queria parar para descansar. “Quero terminar de responder esse bloco (de perguntas)”, recusou, bem ao estilo Graça Foster. Mais adiante, no entanto, ela voltaria a fraquejar. “É um assunto que estarrece a todos nós e quando a gente lê sobre…” – interrompeu, emocionada, e retomou, depois de 7 segundos – “operações criminosas, não sei se foi esse o termo que o senhor colocou, nós ficamos só com a suspeita muito envergonhados – só com a suspeita.”

Jorge Salles, assessor de Graça, reconhece que o escândalo teve impacto sobre a presidente: “Não só sobre ela, mas todos os empregados da Petrobrás ficaram perplexos”. À pergunta sobre se é perceptível alguma mudança em seu semblante, ele respondeu: “Sim, como presidente da Petrobrás, com uma história de dedicação e amor à empresa, ela ficou muito preocupada e assumiu para si a responsabilidade de comandar o enfrentamento a esta situação”.

“Aumentou seu ritmo de trabalho, pois além da continuidade das atividades normais tinha que, de forma rápida, planejar e executar ações para enfrentar os problemas gerados a partir da Operação Lava Jato”, observou o assessor, reconhecendo seu cansaço visível. Salles diz que Graça tem comentado o escândalo, “não só nas reuniões da diretoria executiva, mas também com os gerentes e assessores diretos e em todas as oportunidades que teve de falar com a força de trabalho”.

Motivadora. Além de ter de tocar a maior empresa do País, Graça também tem de investir energia em manter o moral de seus 80 mil subordinados. Nesta época de fim de ano, as diversas áreas da companhia realizam eventos chamados de “celebração de resultados”, e ela tem feito questão de estar presente para animar os funcionários. 

“Ela fez uma fala muito energizadora para a força de trabalho”, atesta Márcio Felix Bezerra, gerente executivo de suporte técnico da Área Internacional, sob a direção direta de Graça. A celebração da área foi na terça-feira, no Clube da Aeronáutica, no Rio. “Ela aproveita toda oportunidade para interagir e motivar”, elogia Felix. “Os desafios lhe dão uma força que a gente não sabe de onde vem. E o momento é o maior desafio da vida dela.”

Há 36 anos na gigantesca estatal, historicamente rotulada de “caixa preta”, Graça é calejada de escândalos, como qualquer outro dirigente da empresa. Em 2010, quando era diretora de Gás e Energia da Petrobrás, a imprensa revelou que a empresa de seu marido, o inglês Colin Foster, havia assinado, nos últimos anos, 42 contratos de serviços e venda de equipamentos com a estatal, dos quais 20 sem licitação. 

Os contratos não tinham relação com a diretoria de Graça, por ela ocupada de 2007 a 2012. Tomou conhecimento deles pela imprensa. Sentiu-se traída. Pegou o celular e esculhambou o marido: “Se você firmar mais um contrato com a empresa, não precisa voltar para casa”. 

Pessoas que trabalham ou trabalharam com ela garantem que, ao saber de malfeitos na empresa, Graça sempre adotou imediatamente medidas para afastar ou neutralizar os responsáveis. Se essas narrativas forem fiéis aos fatos, então Graça deve estar se sentindo traída em uma escala tão gigantesca quanto a própria Petrobrás.

Espectadora. Graça não tem controle sobre o roteiro da novela que se desenrola com as confissões dos delatores presos, expondo as entranhas da empresa em que entrou em 1978 como estagiária e que sonhou um dia presidir. Acostumada a controlar e a centralizar, ela é pouco mais que uma espectadora – com a agravante de que tem tido de responder pela empresa, perante o Congresso. O que, em seu perfil de batalhadora, de vencedora de desafios desde a infância pobre, introduz um elemento de impotência que só aumenta sua aflição.

Austera, rigorosa, totalmente devotada à empresa, com uma biografia incólume e admirável, o contraste entre a reputação de Graça e a imagem da empresa que ela preside desde janeiro de 2012 não poderia ser mais extremo. Não é só a imagem de sua empresa que está desmoronando. Na outra ponta do mesmo escândalo está o partido de sua vida. 

Graça tem três grandes estrelas do PT tatuadas no antebraço esquerdo. À medida que foi conquistando coisas na vida, foi pintando as estrelas de vermelho. Poucas pessoas ao seu redor já viram essas estrelas, normalmente cobertas pela manga da camisa. Ao menos duas já foram coloridas. Não se sabe que tipo de promessa elas simbolizam.

Sua identificação com o atual governo vai além de seu cargo e filiação partidária. Graça e Dilma Rousseff cultivam estreita amizade iniciada em 1999, quando a primeira trabalhava no gasoduto Brasil-Bolívia e a segunda era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Dilma queria um ramal do gasoduto para seu Estado. Não obteve, mas ficaram amigas. Quando Dilma assumiu o Ministério das Minas e Energia, em 2003, nomeou Graça secretária de Petróleo e Gás.

Ela expõe com franqueza desconcertante sua insatisfação com o desempenho dos subordinados: “Não posso acreditar que você fez isso. Você, engenheiro formado, tem coragem de entregar isso? Isso aqui está um lixo”. Esse estilo parecido com a da presidente – de gestora implacável, impaciente e ríspida com auxiliares que não fazem o dever de casa a contento, leitora voraz de relatórios e obcecada por números, metas e resultados – lhe valeram o apelido de “a Dilma da Petrobrás”.No calor da reforma ministerial, falou-se em sua saída. Nomes como o do ex-governador da Bahia Jacques Wagner chegaram a ser lançados. Mas esses boatos refluíram. Por enquanto, Graça, que diz que pretende trabalhar até os 98 anos de idade, continua no pior emprego da República.

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