‘Índice mostra que sistema tem deficiência’, diz Fernando Grella

Secretário admite número elevado e diz que Estado de SP está investindo em tecnologia para melhorar a eficiência da polícia

 

Lourival Sant’Anna

O secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, anunciou três medidas para melhorar a eficiência da polícia: a compra de um sistema da Microsoft, usado em Nova York, que reconhece cenas de crime e fisionomias de suspeitos em imagens captadas por câmeras, que serão ampliadas para mil, na cidade de São Paulo; a automatização das estatísticas sobre o grau de resolução de casos pela polícia e dos índices de reiteração de crimes praticados pelos mesmos autores. Todas para este ano.

Em entrevista ao Estado, Grella reconheceu que o índice de 69% de reiteração de crimes, revelado pelo levantamento feito para o jornal, é “elevado” e “mostra que o sistema tem muita deficiência”. Ex-procurador, ele deu sugestões sobre mudanças nos procedimentos da Justiça e nas leis, para coibir o crime.

Esse número o surpreendeu?

Confesso que eu não tinha esse dado. Sabíamos que tinha reiteração, mas não sabia o porcentual. Ele mostra que o sistema tem muita deficiência. Não é só a polícia em si, mas a Justiça, o Ministério Público, o Legislativo, todos têm alguma responsabilidade, dever de se debruçar sobre a situação e discutir soluções e aperfeiçoamentos, porque não é possível que uma pessoa apareça com porcentual tão elevado de reiterações sem resposta efetiva.

No caso da polícia, o que poderia ser feito?

A gente tem trabalhado muito no aperfeiçoamento da investigação para ampliar o número de esclarecimentos, que é muito baixo. Estamos investindo em tecnologia da informação. Um sistema novo de inteligência e de visão situacional do problema criminal vai ser implementado em alguns meses. Ele vai permitir o monitoramento das câmeras de vídeo com sistemas inteligentes, que apontam as ocorrências de crimes e o cruzamento imediato desses dados, por local, nome, tipo de crime, veículo. Estamos comprando da Microsoft o sistema usado em Nova York. Lá eles têm cerca de 4 mil câmeras. Apenas cinco pessoas cuidam delas. Eles têm o que chamam de processos de inteligência, um software com 10 mil processos predefinidos de alerta. Se uma pessoa passa mais de uma vez no local, dá um sinal. Vai ao ponto do reconhecimento facial. Eles pegam uma fisionomia, jogam no sistema para saber onde essa pessoa está agora. Um suspeito, por exemplo, de um crime: se saiu numa estação, noutro lugar, a fisionomia dele aparecendo, o sistema vai pontuar.

Existem quantas câmeras em São Paulo?

São 82 nas Marginais, mais de 200 da Polícia Militar, outras da Prefeitura, que acessamos. Queremos ver se, em um espaço curto de tempo, ainda neste ano, chegamos a mil câmeras neste sistema inteligente.

Qual o grau de resolução dos roubos?

Vou ser muito sincero com você: estamos automatizando esses dados. Estamos mudando o RDO (banco dos boletins de ocorrência) para incluir um campo, em que, fora os casos de flagrante, a autoridade (policial) informe se esclareceu ou não a autoria no inquérito, e se o indiciado está preso ou não. Ele vai acrescentar isso mais tarde ao registro do BO. Porque isso vem para nós. Aquele BO gerou um inquérito. Eu quero saber se esse inquérito permitiu o esclarecimento do crime. Eu posso pedir o levantamento para o Decap (a Polícia Civil da capital), mas é deles. Não vou dizer que está errado, mas não é uma coisa automatizada, oficial.

Não é uma rotina?

Não. É isso que eu quero. Mas mesmo eles informando, o índice de esclarecimento é baixo. Acho que em roubo não chega a 2%, 3%.

A polícia se queixa também de que ela prende e a Justiça solta. O que precisa mudar na Justiça?

Em parte, é verdade. A Justiça tem uma parcela de responsabilidade na agilização dos processos e na informatização. As varas precisam ser informatizadas, porque há muitos dados que a gente poderia colher do Judiciário, como se um indivíduo está no regime semiaberto ou aberto.

E as leis?

Tivemos um avanço nessas reformas do processo penal, mas ainda é preciso torná-lo mais ágil. O número de recursos que se permite é um absurdo, muito excessivo. Tem de desdobrar o processo para intimar o advogado de defesa que não comparece na sessão (quando há vários réus). Então, você rende muita homenagem ao formalismo. Com relação à lei de execução, é preciso rever as progressões. Assim como ela deve investir mais em processos de recuperação, poderia ser mais rigorosa em algumas outras situações. E algumas penas precisam ser aumentadas, como a de homicídio contra policiais.

Parte dessas pessoas que voltaram a cometer algum crime passou pelo sistema prisional ou pela Fundação Casa. Algumas pessoas são recuperáveis, o senhor não acha?

Acho. Falta uma política nacional mais consistente para o problema da reinserção. O sistema penitenciário atende a diretrizes nacionais.

Esse levantamento mostra que 41% dos que reiteraram cometeram o primeiro roubo antes dos 18 anos. Isso indica algo a respeito da maioridade penal?

Pela mesma razão pela qual estamos falando de reinserção, eu investiria mais, em um primeiro momento, não na maioridade penal, mas nas medidas aplicadas ao adolescente, principalmente quando ele completa 18 anos. Não vai resolver o problema pegar um adolescente de 16 anos e jogar em uma prisão. Eu investiria mais na reforma do Estatuto (da Criança e do Adolescente), como o governador propôs, ampliando o tempo de internação, em unidades com essa separação para acolher aqueles que completam 18 anos, para continuarem lá, internos, sob tratamento. Até porque a opção por unidades menores da Fundação Casa levou a um porcentual mais alto de recuperação.

Há um plano de ter estatísticas sobre reiteração e reincidência?

Sim. Dados como esses, que coletamos de maneira precária, são importantíssimos, e queremos, no futuro próximo, colhê-los de forma automática.

O BO terá uma padronização para coletar esses dados?

Com certeza. Fizemos já algumas mudanças e outras estão sendo feitas com esse objetivo. Mas demora alguns meses ainda. O sistema deve informar quantos BOs existem de um mesmo indivíduo, com o nome da mãe, o RG, alguma coisa que permita identificá-lo e eliminar os homônimos e os ruídos, como números de RG com pontos ou sem pontos.

Para este ano?

Acredito que sim. Os dados de esclarecimento de crimes são uma prioridade. Talvez a gente os consiga em alguns meses.

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