Osmar e Álvaro Dias fizeram um pacto de jamais se enfrentarem nas eleições, mas a costura de alianças feita por Lula para garantir palanque para Dilma alterou os planos dos dois políticos paranaenses
CURITIBA – Era 1978, e o governo do general Ernesto Geisel caminhava para o fim. A peste suína – ou o medo de sua propagação – abalava a economia do Paraná, grande criador de porcos. O jovem deputado paranaense Álvaro Dias, então com 33 anos, fez um discurso com a virulência que o tornaria conhecido nacionalmente na oposição ao governo: “No Brasil não existe peste suína, mas a peste de Geisel. “
Em represália, soldados do Exército invadiram a propriedade na qual Osmar Dias, um dos nove irmãos de Álvaro, criava porcos, em Maringá. Afirmaram que a fazenda era de Álvaro. Osmar, na época com 26 anos, defendeu-se dizendo que ali não estavam morrendo porcos. “Foi a primeira entrevista que dei na vida”, recorda sorrindo o hoje senador, como seu irmão. Os soldados resolveram a controvérsia matando a criação.
Desde então, Osmar, hoje com 58 anos, tem-se metido em enrascadas e projetado na vida pública por conta do irmão mais velho. Ambos estão em lados opostos. Mas o pacto entre eles de não se enfrentarem, combinado com o interesse do PT de ter um palanque forte no Paraná e a recusa do DEM de ficar de fora da chapa presidencial, determinou a configuração das alianças no Estado e a indicação do vice de José Serra.
Agrônomo, o primeiro cargo de Osmar foi o de diretor de uma empresa estadual de fomento da agropecuária, entre 1983 e 1986, no governo José Richa, apoiado por Álvaro. A seguir, foi secretário da Agricultura dos governos de Álvaro e de Roberto Requião, também aliado do irmão na época. Em 2001, os dois irmãos, senadores pelo PSDB, foram expulsos do partido, por assinarem a criação de CPI para apurar denúncias de corrupção no governo que apoiavam, de Fernando Henrique Cardoso.
Ainda foram juntos para o PDT, mas dois anos depois seus caminhos se apartaram, quando Álvaro aceitou o convite – feito a ambos – de voltar ao PSDB e ingressar na oposição ao governo Lula. Osmar continuou no PDT, que apoia o governo. Desde então, os dois têm cumprido o pacto sacramentado pelo seu pai, o agricultor Silvino Dias, de não se enfrentarem em disputas políticas.
Em 2006, Osmar, candidato a governador, não lançou candidato ao Senado em sua chapa para não tornar-se adversário de Álvaro, que se reelegeu senador. Com isso, perdeu entre 1 minuto e meio e 2 minutos de tempo no horário eleitoral gratuito, e foi derrotado por Requião por 10.479 votos (50,098% a 49,902%).
Este ano, as coisas se tornaram muito mais complicadas para os dois senadores paranaenses em campos políticos opostos e no mesmo campo afetivo. Osmar saiu da dramática derrota de 2006 candidato ao governo do Estado. Ele atribui sua derrota ao apoio de Lula a Requião, num comício na Boca Maldita, o calçadão do centro de Curitiba, em outubro de 2006, oito dias antes do segundo turno. Ironicamente, Requião não foi ao comício, com receio de ser contaminado pela falta de apelo de Lula no Paraná: o presidente perdeu para Geraldo Alckmin (PSDB) tanto no primeiro turno (por 2,95 milhões de votos a 2,11 milhões) quanto no segundo (2,74 milhões a 2,66 milhões).
Osmar afirma que há dois anos Lula lhe pediu que fosse candidato ao governo do Paraná. “Eu disse a ele que seria se tivesse aliança. ” O arranjo estadual era complicado pela pretensão do governador Orlando Pessuti (PMDB), vice de Requião, com quem rompeu depois de assumir, de candidatar-se ao governo, impedindo um “palanque único” para a base aliada. Osmar esperava contar com o apoio do popular prefeito de Curitiba, Beto Richa, do partido de seu irmão, PSDB. Beto apoiou Osmar em 2006 e foi retribuído em 2008.
Filho de José Richa, Beto, um jovial político de 45 anos, que joga tênis e cultiva o automobilismo como hobby, registrou em cartório o seu plano de governo, que foi visto por muitos como um compromisso de ficar quatro anos. Osmar afirma que havia também compromisso verbal nesse sentido. “O que eu dizia era que meu mandato pertencia aos meus eleitores em Curitiba”, justifica-se Beto. “Numa pesquisa, mais de 80% deles foram a favor de eu me lançar ao governo. ” Ambos se acusam de “traição”.
Osmar suspendeu seus planos de disputar o governo quando Álvaro decidiu lançar-se ao cargo. Retomou-os depois que o irmão foi derrotado por Beto, que tem nas mãos a Executiva estadual do partido. As coisas voltaram a se complicar, no entanto, quando Álvaro foi lançado pelo PSDB a vice na chapa de José Serra, no dia 25 de junho. A sequência dos acontecimentos foi vertiginosa na última semana de junho, prazo final para as convenções partidárias que definiram os candidatos. O DEM, principal aliado do PSDB, resistia à chamada “chapa pura” – presidente e vice tucanos. “Acabaríamos com o partido”, resume o deputado Abelardo Lupion, na época presidente do DEM no Paraná, que participou das negociações.
Por outro lado, o governo Lula se preocupava com a perspectiva de não ter candidato forte ao governo do Paraná. Pessuti não puxaria votos para Dilma Rousseff e seria esmagado por Beto Richa, político em ascensão no PSDB, prefeito com a melhor avaliação do País e da maior cidade sob administração tucana desde que Serra deu lugar a seu vice Gilberto Kassab (DEM) em São Paulo, em 2006. Álvaro teria a missão de atrair votos para Serra na Região Sul, assim como em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com forte presença de paranaenses e gaúchos. Só o Paraná tem 7,6 milhões de eleitores, e a expectativa era que sua presença na chapa pudesse contrabalançar a vantagem de Dilma no Nordeste.
Depois do anúncio de Álvaro como vice, as intenções de voto em Serra saltaram 9 pontos na Região Sul, de 40% para 49%, refletindo num aumento de 3 pontos em todo o Brasil, de 36% para 39%, segundo o instituto Datafolha. À luz das pesquisas atuais, em que o declínio de Serra em todo o País coincide com sua ultrapassagem por Dilma no Sul, as articulações que se seguiram ganham contornos épicos.
Lula despachou para Curitiba seu ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT nacional, com a missão de costurar uma aliança que assegurasse palanque forte para Dilma no Paraná e candidaturas competitivas ao governo do Estado e às duas vagas no Senado. Isso implicava a desistência de Pessuti, o lançamento de Osmar ao governo e de Requião e da petista Gleisi Hoffmann, mulher do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao Senado.
Ao longo de 4 anos de seu terceiro mandato (segundo consecutivo), Requião batera duramente em Osmar, acusando-o da compra irregular de uma fazenda no Tocantins. Mas o interesse comum de juntar-se a Lula e de derrotar Beto Richa galvanizou a reconciliação dos dois antigos aliados. Fazer Pessuti desistir também não foi difícil – além de suas poucas chances de eleição, ele recebeu a promessa de cargo no governo Dilma – possivelmente “ministro da Copa”. Restava quebrar a resistência de Osmar, baseada no pacto selado com o irmão. Simbolicamente, na data fatal de 30 de junho, quando o destino de Álvaro e de Osmar seria selado, a morte do pai deles completava 4 anos.