Para juristas, é função do Judiciário fazer o Legislativo cumprir as regras que ele mesmo se impôs num processo de cassação
Goste-se ou não, tudo o que o ministro Nelson Jobim mandou a Mesa Diretora da Câmara fazer foi cumprir suas próprias regras. Ato baixado pela Mesa no dia 5 de junho de 2003 regulamentou assim os procedimentos em caso de cassação: “Quaisquer representações relacionadas com o decoro parlamentar são remetidas ao corregedor para exame. Recebido o expediente encaminhado pelo presidente, o corregedor remeterá cópia ao deputado a que o mesmo se refira, consignando-lhe o prazo de cinco sessões para se manifestar.”
Isso não foi feito, seis deputados petistas entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir esse direito e ganharam a liminar. “Vejo a decisão como preocupação de evitar que, se alguém vier a ser cassado, possa alegar cerceamento de defesa”, diz o deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), jurista, ex-ministro da Justiça. “O ministro Nelson Jobim tomou a cautela de exaurir direito de defesa baseado em decisão da Mesa da Câmara.” Relator da CPI do Mensalão, Abi-Ackel não vê interferência de um poder em outro: “Decisão judicial cumpre-se.”
Para o presidente da Associação de Juízes Federais, Jorge Maurique, o STF está no seu papel. “Jobim seguiu o regimento interno da Câmara”, diz ele. “O representado tem que ser intimado para se manifestar.” Segundo Maurique, “o Judiciário não pode entrar no mérito sobre se um deputado deve ser cassado ou não, mas pode controlar se foi seguido o devido processo legal”.
Essa é também a opinião do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. “Se existem normas regulando a cassação, elas devem ser seguidas”, diz, ressalvando que não conhecia o teor da decisão. De acordo com ele, não importa se essas normas pertencem a um regimento interno de outro Poder. “No Estado de Direito, todas as normas, desde que corretamente exaradas, têm de ser cumpridas”, argumenta. “O Judiciário não pode dizer: isso é assunto dos outros.”
Para Bandeira de Mello, é “reacionária” a tese segundo a qual numa determinada instituição se possa fazer o que se quiser, sem que o Judiciário possa julgá-lo. “Independência é outro assunto.”cBandeira de Mello não é exatamente um fã de Jobim. Para ele, muito da “desconfiança” que paira sobre o Judiciário está no fato de o presidente do STF “dar palpite em tudo”. “Ele não nasceu para ser juiz, não tem cacoete de juiz”, critica Bandeira de Mello.
GANHAR TEMPO
Na medida em que a poeira da decisão de Jobim assenta, sedimenta-se, na oposição, a convicção de que, mais do que distração ou incompetência, a decisão foi um serviço. ““É para ganhar tempo, para distrair”, suspeita o presidente do PDT, Carlos Lupi.”
A Mesa não vai esperar o julgamento do mérito do mandado de segurança pelo STF. Revogou a decisão anterior e resolveu abrir prazo para todos os 17 deputados apresentarem suas defesas. Mas a oposição vai tentar, semana que vem, provocar uma reviravolta na questão. PDT, PPS e PV – e quem mais quiser se juntar – vão apresentar na semana que vem uma representação direta contra cada um dos deputados em processo de cassação.