Comissão definirá o destino de alimentos geneticamente modificados no País
A Justiça concedeu liminar impedindo o cultivo da soja transgênica da Monsanto, o primeiro alimento geneticamente modificado que seria produzido no Brasil. A medida foi divulgada na véspera da reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), marcada para hoje e amanhã, em Brasília, que discutirá o destino dos alimentos transgênicos no País. Tudo indicava que a CTNBio iria liberar a produção da soja, sem a necessidade de informar no rótulo dos produtos sua origem transgênica.
No seu deferimento, a juíza federal Raquel Fernandez Perrini, da 11.ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, afirma que “os alimentos geneticamente modificados são potencialmente ofensivos à saúde do consumidor, razão pela qual demandam regulamentação específica e o prévio estudo de impacto ambiental”. A medida cautelar foi solicitada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
A Monsanto ainda não havia sido notificada ontem e não quis pronunciar-se sobre a liminar. O diretor de Assuntos Corporativos, Rodrigo Almeida, disse ao Estado que a soja vem sendo plantada no Brasil experimentalmente desde o início de 1997 e tanto a análise de impacto ambiental quanto a das suas características alimentares indicam que ela é idêntica à convencional. Mesmo assim, a Monsanto não descarta a hipótese de incluir no rótulo a informação de que o produto é transgênico.
Parecer da promotora Dora Bussab Castelo, coordenadora das Promotorias de Justiça do Consumidor, do Ministério Público de São Paulo, já recomendava à CTNBio a rotulagem de todos os alimentos transgênicos, com base em interpretação do Código de Defesa do Consumidor. Em caso de conflito, “uma lei ordinária, como o código, estaria acima de uma norma da CTNBio”, explicou a promotora ao Estado.
O presidente da CTNBio, o agrônomo Luiz Antonio Barreto de Castro, rebate os dois principais argumentos contra a autorização da soja da Monsanto ou em defesa pelo menos de sua rotulagem como alimento transgênico: os de que não há conhecimento suficiente de seus efeitos sobre o organismo humano e sobre o meio ambiente. “Já em setembro de 1997, a CTNBio analisou pedido da Monsanto de importação de soja dos EUA que poderia ter parcela transgênica e verificou que ela não traz nenhum risco à saúde”, declarou.
A CTNBio imporá acompanhamento dos efeitos da soja sobre o ambiente. “Seria preciso um estudo prévio de impacto ambiental, em vez de fazer o ambiente e a população de cobaias”, protesta Marijane Lisboa, da organização não-governamental Greenpeace.
O presidente da CTNBio ressaltou que, se por considerações relativas aos direitos do consumidor, a Justiça determinar que os produtos transgênicos têm de ser rotulados, a comissão acatará a determinação. Mas, segundo Castro, não há elementos para impor a rotulagem da soja por razões de biossegurança, nem alimentar nem ambiental.
O Idec e órgãos de defesa do consumidor em todo o mundo, reunidos na Consumer’s International, argumentam que os cidadãos têm o direito de saber que estão comprando alimentos transgênicos. Muitos podem não querer consumi-los por serem vegetarianos, em caso de proteína animal introduzida em alimento vegetal, por razões religiosas, etc. “Se o alimento é tão bom, por que a indústria não diz isso para o consumidor?”, pergunta Marilena Lazzarini, coordenadora-executiva do Idec.
O Idec e a SBPC vêem a aprovação da soja da Monsanto, na ausência de regras gerais para os alimentos transgênicos, como precedente perigoso. Já o presidente da CTNBio afirma que “não é possível criar uma regra geral: terá de ser caso a caso”. A CTNBio já autorizou pesquisas com outras variedades de soja e milho transgênicos, pela Cargill, Novartis, Braskalb, Pioneer e a cooperativa paranaense Coodetec, além da Monsanto.
A soja transgênica da Monsanto foi concebida para resistir ao herbicida Roundup Ready, produzido pela multinacional americana. Para que ele mate apenas as plantas daninhas, e não a própria soja, foi introduzido nela um gene que codifica a enzima EPSPS, responsável pela produção de proteínas, tornando-a tolerante à ação do herbicida. A produção da soja foi autorizada nos EUA.
Entretanto, entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Greenpeace têm argumentado que não se sabe o impacto que ela teria sob as condições ambientais do Brasil.
O pesquisador José Marcos Gontijo Mandarino, do Departamento de Alimentação Humana do Centro Nacional de Pesquisa da Soja (CNPSo), em Londrina, garantiu ao Estado que a soja transgênica é “bioquimicamente idêntica” à convencional. “Vamos desenvolver nossas variedades de soja transgênica, porque o mundo inteiro vai desenvolver.” O CNPSo pertence à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A opinião contrasta com a do professor Rubens Nodari, do Departamento de Fitotécnica da Universidade Federal de Santa Catarina. “Não sabemos o efeito que essa soja terá sobre o solo brasileiro”, afirma. “Em termos de saúde humana, os testes também não foram totalmente apropriados.”