Lula advertiu Chávez

Presidente brasileiro responde a ímpetos do venezuelano no campo institucional. E se queixa em privado

 

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva externou na segunda-feira, de forma indireta, a sua preocupação com o destino da democracia venezuelana, não pegou de surpresa o presidente Hugo Chávez. Quatro dias antes, Lula já havia feito, com tato, a advertência ao próprio Chávez.

Foi na tarde do dia 18, numa reunião a portas fechadas de oito presidentes sul-americanos, numa sala do Hotel Copacabana Palace, no Rio, durante a 32ª Reunião de Cúpula do Mercosul. Num tom cauteloso, Lula indicou a Chávez a necessidade de evitar medidas que pudessem enfraquecer as instituições democráticas da Venezuela.

Em seguida, falou o presidente da Argentina, Néstor Kirchner. Mas não para vir em socorro de Chávez, como o venezuelano fizera em duas ocasiões, em maio de 2005 e de 2006, comprando um total de US$ 2,74 bilhões em desacreditados bônus da dívida argentina. Kirchner foi ainda mais direto que Lula. Ele questionou Chávez sobre suas decisões, anunciadas dias antes, de nacionalizar o setor de energia elétrica e a CANTV, a maior empresa de telefonia da Venezuela. As medidas deixaram os investidores estrangeiros tão nervosos a ponto de a Argentina ter sido obrigada a suspender a emissão de US$ 500 milhões em bônus de sua dívida soberana.

Na manhã seguinte, Lula e Kirchner se reuniram, a sós, na suíte do presidente brasileiro, no sexto andar do hotel. Boa parte da conversa foi dedicada à necessidade de conter os ímpetos de Chávez – não só suas atitudes nas cúpulas do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), mas também seus ataques às instituições democráticas e à economia de mercado, com seus reflexos negativos sobre a imagem da vizinhança.

Lula saiu da conversa convencido da necessidade de afastar o risco da contaminação. E decidiu marcar a diferença entre o Brasil e a Venezuela. Foi o que fez na primeira oportunidade: o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na segunda-feira, a poucos dias do Fórum Econômico Mundial de Davos.

“Crescer de forma correta é crescer mantendo e ampliando as liberdades civis e os direitos democráticos”, disse o presidente. E, mais adiante: “Aqui não se cresce sacrificando a democracia.” Um parágrafo depois, o presidente voltou ao tema: “A democracia é um ambiente mais saudável para o crescimento. Pouco me interessaria um aumento expressivo do PIB se isso implicasse, o mínimo que fosse, redução das liberdades democráticas. Assim como não adianta crescer sem distribuir, não adianta crescer sem democratizar.”

O discurso foi redigido pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, e pelo publicitário João Santana. Mas o tema da democracia foi incluído a pedido de Lula.

A repercussão do discurso – imediatamente associado à Venezuela, cujo Congresso se encontrava entre o primeiro e o segundo turnos da votação da Lei Habilitante, pela qual Chávez governará por decreto durante 18 meses – preocupou alguns ministros. “O presidente falou aquilo porque acha importante reafirmar os valores democráticos em todos os momentos”, diz a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. “O presidente não tem hábito de mandar recados”, descartou Marco Aurélio Garcia, seu assessor especial para assuntos internacionais.

Em seu círculo íntimo, Lula queixa-se freqüentemente de Chávez. O presidente venezuelano cruza facilmente a fronteira entre o divertido e o incoveniente, entre o informal e o desrespeitoso. E cultiva o hábito de se convidar, com o agravante de que tem um avião à disposição. Numa ocasião, deixou Lula quatro horas esperando na Granja do Torto. Noutra, chegou com seu provador de comida, e ouviu de Lula: “Em minha casa, não.”

Em 1.º de maio do ano passado, Lula identificou incentivo chavista na abrupta decisão do presidente Evo Morales de ocupar militarmente a refinaria da Petrobrás, na Bolívia. Três dias depois, os três se encontraram em Puerto Iguazú, no lado argentino da fronteira com o Brasil. Irritado, Lula cobrou de Chávez retribuição ao seu apoio à Bolívia e à Venezuela. E fez ver ao presidente venezuelano que a expropriação de facto boliviana prejudicaria o processo de integração sul-americana. Chávez e Morales recuaram.

As tensões amainaram depressa e abriu-se o caminho para a Venezuela ingressar no Mercosul. Agradecido, Lula escolheu a Venezuela como destino de sua primeira viagem internacional depois de eleito, no fim do ano passado. E apoiou explicitamente a reeleição de Chávez, causando perplexidade na Venezuela e no Brasil (ver abaixo).

Uma semana depois, na 2.ª reunião de cúpula da Casa, em Cochabamba, Chávez conseguiria tirar Lula do sério novamente. No seu estilo inflamado, o presidente venezuelano proclamou a morte do Mercosul – ao qual acaba de chegar. De quebra, atacou duramente o esboço institucional da Casa – uma sigla que, para ele, “não significa nada”. Em resposta, Lula pediu, com outras palavras, mais respeito: “O fato de querermos mais, em termos de integração, não nos obriga a negar os avanços que já conseguimos obter.”

Desde sua primeira eleição, em 2002, Lula tem-se servido de Chávez – ídolo da esquerda – para compensar sua guinada ao “neoliberalismo” no campo da economia. Até aqui, conseguiu sustentar a ambivalência entre discurso e realidade, gesto e sentimento. Mas está ficando cansado de Chávez. 


Colaboradores: Denise Chrispim Marin  / Vera Rosa 


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