‘Lula colocou o mercado de capitais na agenda’, diz presidente da Bovespa

O mercado não gosta de mudanças, mas nutre esperanças, avalia Raymundo Magliano Filho

 

 

Ele protagonizou, junto com Luiz Inácio Lula da Silva, um dos episódios memoráveis dessa sucessão. Em 5 de agosto, o presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), Raymundo Magliano Filho, ciceroneou o ícone da esquerda brasileira nessa catedral do capitalismo. E, num ato falho amparado nas pesquisas de intenção de voto, chamou-o de “o futuro presidente do Brasil”.

Depois da visita, técnicos do PT e do mercado de capitais passaram a trabalhar num documento cuja apresentação, no dia 17, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, serviu para reconfortar um mercado aflito com as perspectivas de vitória de Lula, ao lado da turbulência externa. “Foi a eleição de maior estresse de toda minha vida”, suspira Magliano.

O presidente da Bolsa reage à vitória de Lula com um misto de esperança e cautela: o mercado de ações não gosta de mudanças, é certo, e Lula as representa; mas também não gosta de um modelo que se tem traduzido, na prática, em juros altos e economia desaquecida.

Estado – O sr. teve um convívio inédito com Lula…

Raymundo Magliano Filho – Foi a queda do Muro de Berlim. Pena que meu pai, que foi corretor da Bolsa, morreu em 1991, e não pudesse ver isso.

Estado – O que significa a vitória de Lula?

Magliano – Significa mudança, que é o que o povo brasileiro quer, depois de oito anos de Fernando Henrique, um governo que teve muitos méritos. No começo, toda mudança, para alguns, pode gerar uma intranqüilidade. Para outros, muita esperança.

Estado – Os agentes do mercado de capitais também queriam mudanças?

Magliano – Talvez não. A tendência é de manter o status quo. É mais cômodo. Qualquer mudança provoca instabilidade. Num mercado mundial instável, colocar mais uma instabilidade complica mais.

Estado – Mesmo com todas as restrições de juro alto que esse modelo representou?

Magliano – Sim. Mas depois daquele dia em que o PT falou na Fiesp (durante lançamento do documento O Mercado de Capitais como Instrumento do Desenvolvimento Econômico, dia 17) que Bolsa de Valores é feita para financiar a produção e geração de empregos, o mercado acalmou. Porque foi uma visão de que sem o mercado de capitais não vai ter desenvolvimento econômico e não se vai financiar a produção, de que a Bolsa é o instrumento do capitalismo para o desenvolvimento. A partir daquele momento, o humor do mercado mudou. A Bolsa subiu 20%, os juros se estabilizaram, o dólar até caiu. Lula colocou o mercado de capitais em sua agenda.

Estado – Mais do que o governo atual?

Magliano – O governo anterior estava muito preso ao modelo do Fundo Monetário Internacional. Talvez Lula dê um tom diferente, de revitalizar o mercado de capitais.

Estado – A noção de desenvolvimentismo combina com a idéia de um mercado de capitais mais forte?

Magliano – Não há dúvida. Nosso mercado não tem novas emissões de ações não só porque o juro está muito alto. Só quando precisarem investir no aumento da produção é que as empresas vão abrir seu capital.

Estado – Qual a dificuldade maior que o governo vai enfrentar?

Magliano – O problema da governabilidade, que Serra também enfrentaria. Deveríamos mesmo partir para um pacto apartidário com uma agenda mínima: reformas da Previdência, tributária, política, para fazer as mudanças agora.

Estado – O sr. está otimista ou pessimista quanto ao futuro do mercado de capitais?

Magliano – Estou muito otimista. Depois da privatização de uma parte das ações da Petrobrás e a possibilidade de compra das ações da Vale do Rio Doce (usando o FGTS), já constituímos o primeiro clube de investidores, com 53 trabalhadores da Força Sindical investindo R$ 29 por mês. Isso é uma grande realidade do mercado de capitais, um avanço para a cidadania.

Estado – O sr. vislumbra a extensão desse esquema para outras empresas estatais?

Magliano – Vamos ter o Banco do Brasil. Por enquanto, é o que existe. Vamos apresentar um projeto para que as empresas destinem 7% (dos salários), em vez de 8%, ao FGTS, e 1% vá para ações. Mas só novas ações preferenciais resgatáveis. Se a compania não subir na Bolsa, o investidor resgata na companha com TR (Taxa Referencial) mais 3%. A rentabilidade dele está garantida.

Estado – A destinação de uma fatia do FGTS para o mercado de ações não é um desvirtuamento da função do fundo, de financiar a habitação, que tem um grande déficit?

Magliano – Se não houver uma Bolsa forte, não haverá investimentos nem emprego. Sem emprego, não há nem comprador de imóveis nem de carros nem de nada. Se não tivermos canal para financiar, vai ficar muito difícil. É uma política de inclusão social.

Estado – Essa abordagem foi a que propiciou a acolhida de Lula?

Magliano – Mostramos que o trabalhador quer isso. O governo autorizou R$ 1 bilhão do FGTS para compra das ações da Petrobrás e a demanda foi de R$ 3,3 bilhões. A demanda por comprar ações é latente. Tenho perguntado para os trabalhadores o que eles achariam de adquirir ações, e eles respondem que gostariam. É um alargamento democrático do País. O clube de investimentos é voluntário. Eles querem participar do mundo dos negócios. Lula sentiu isso.

Estado – Como o crescimento do mercado de ações pode ajudar na oferta de crédito?

Magliano – Se você tiver um mercado de capitais forte, as empresas vão demandar muito menos crédito lá de fora, porque terão um volume de capital interno que vai supri-las. O crédito sempre é temporário. Esse capital é de longo prazo. Isso vai facilitar muito a ampliação das empresas e a geração de empregos.

Estado – O juro alto do overnight está arraigado na cultura brasileira. O sr. vislumbra um fim disso?

Magliano – Não há solução. Não vamos conseguir pagar esse juro. Além disso, se continuar assim, que atividade produtiva vai competir com isso?

Estado – Esse juro é o preço da desconfiança. O sr. vê possibilidade de ela diminuir nos próximos anos?

Magliano – Acredito que sim. A confiança vai ter que ser restabelecida para que a gente possa reconstruir o País. Precisamos de – Lula fala em auto-estima – criar uma identidade nacional, um grande mercado de capitais. Na medida em que se forem criando essas coisas, você vai dando ânimo e confiança de que somos capazes de fazer.

Estado – O debate econômico na campanha contemplou o que é necessário para dar esse salto?

Magliano – Os programas são genéricos, não mostram uma compatibilidade entre meios e fins. Mas temos que achar uma saída.


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