O presidente eleito, que passou o dia sem falar com a imprensa, abriu encontro de advogados
SALVADOR – O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu ontem o financiamento público de campanhas políticas “para diminuir a influência do poder econômico no processo eleitoral” e a fidelidade partidária, como itens de uma reforma política. “Essas mudanças não sairão do meu gabinete, mas do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social”, disse ele, durante a abertura da 18.ª Conferência Nacional dos Advogados, em Salvador.
Lula também reafirmou o combate à fome como uma de suas prioridades: “Enquanto há fome, não há Estado de Direito”, disse ele a uma platéia de advogados e simpatizantes petistas. À mesa, estavam o senador eleito Antonio Carlos Magalhães, vaiado pelos petistas, e o jurista Evandro Lins e Silva, homenageado da noite, entre outras personalidades. O presidente eleito chegou às 20h, mas só lhe deram a palavra às 22h, depois de muitos discursos e homenagens.
Lula passou o dia em Salvador sem dar declarações à imprensa. Segundo seu porta-voz, André Singer, ele veio agradecer ao povo baiano pela expressiva votação que teve no Estado e pedir
“sorte” ao Nosso Senhor do Bonfim. E aceitou o convite para abrir a Conferência por causa do histórico de defesa dos direitos civis da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), que promove o encontro em Salvador.
Na chegada ao aeroporto, ao meio-dia, o presidente eleito foi recepcionado por uma baiana vestida de Iansã, divindade afro-brasileira, que lhe colocou um colar de contas vermelhas no pescoço e amarrou uma fita de Nosso Senhor do Bonfim da mesma cor no pulso direito. À tarde, Lula apareceria já sem a fita.
No aeroporto, Lula era aguardado por cerca de 50 militantes petistas. No meio deles, estava o aposentado Florisberto Soares Ferreira, de 77 anos, que lhe entregou um envelope amarelo com propostas para a segurança pública, reforma agrária, educação, etc. Lula recebeu o envelope e um agente da segurança o guardou.
Do aeroporto, Lula seguiu, em comboio escoltado por batedores da Polícia Rodoviária Federal, para o Hotel Pestana, onde se hospedou e almoçou com dirigentes do PT local. À sua mesa, além da mulher, Marisa Letícia, e do presidente do PT, José Dirceu, que vieram com ele de São Paulo, sentaram-se o presidente estadual do partido, Josias Gomes, e o prefeito de Itabuna, Geraldo Simões, entre outros. No cardápio, bobó de camarão e risoto de palmito. Não havia vinho.
Almoçou com Lula também sua meia-irmã Maria da Silva Chamone, com o filho Samir. Maria, filha do pai de Lula com sua segunda mulher, prima da mãe do presidente eleito, mora há 17 anos em Dias D’Ávila, na Grande Salvador. Foi a primeira vez que viu o irmão depois de eleito presidente. “É emocionante”, disse Maria, garantindo que Lula “vai fazer bastante, não logo no começo nem tudo o que prometeu, mas pelo menos a metade em um ano e meio”. O País, previu Maria, “vai mudar para muito melhor, graças a Deus”.
Lula seguiu para o Palácio de Ondina e, de lá, foi visitar o Hospital Santo Antonio, pertencente à Fundação Irmã Dulce. No hospital, Lula foi ciceroneado por Ângelo Calmon de Sá, que preside o Conselho da Fundação. Na Capela do Memorial de Irmã Dulce, que morreu há dez anos e cujo processo de beatificação tramita no Vaticano, o padre Aderbal Galvão pediu que a irmã desse ao presidente eleito “discernimento na escolha da equipe de transição e de governo”.
Lula foi beijado na capela por várias fãs. “Sou apaixonada pelo Lula”, declarou Sandra Oliveira Santos, voluntária das obras de caridade da Irmã Dulce. “Meu marido quer se separar de mim por causa disso.” De lá, o presidente eleito seguiu para a Colina Sagrada, em cujo topo fica a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Diante do altar, fez uma rápida prece, ao lado da mulher, Marisa, enquanto os simpatizantes e militantes gritavam seu nome.
“Esperei por muitos anos por alguém que pensasse no povo humilde”, disse Maria Luiza de Souza, mais conhecida como tia Lu, cujo Projeto Café na Praça do Amor distribui comida para 500 pobres nas últimas sextas-feiras do mês. Da igreja, o comboio de Lula voltou para o hotel.
O presidente eleito chegou a descer para se sentar no café do lobby do hotel, ao lado de Marisa e rodeado por admiradores, mas a imprensa foi mantida longe. Às 19h30, finalmente, foi para a abertura do encontro da OAB.
Para a imprensa, Lula teve apenas uma frase enigmática. Quando um jornalista de televisão lhe observou que, se falasse tarde demais, não haveria tempo de colocá-lo no telejornal, Lula disse apenas: “Não se preocupe. Vai dar tempo para sair no horário certo no jornal certo.”