A água, abundante nos sítios deles, falta para assentados que tentam viver da terra
PRESIDENTE BERNARDO – Há coincidências intrigantes no Assentamento Vereda 2. Vários dos lotes que contêm as nascentes e por onde passam os riachos são justamente aqueles usados como sítios de fim de semana por empresários e pessoas com empregos em Brasília. Alguns deles receberam lotes de 24 hectares, o dobro dos outros, com a justificativa de que sua terra é inferior, embora agrônomo nenhum a tenha analisado.
Os assentados com empresas registradas dirigiam a associação do assentamento até há dois meses, quando uma eleição os tirou de lá. E, sempre que um funcionário do Incra aparece, sem aviso prévio, para fiscalizar o assentamento, muitos assentados que não moram lá, bem-informados, comparecem.
As terras foram distribuídas por sorteio. Mas um detalhe chamou a atenção de alguns moradores: no dia do sorteio, os funcionários do Incra já chegaram com os primeiros 49 papeizinhos prontos, pedindo aos assentados que fizessem os de 50 em diante.
A prefeitura de Padre Bernardo recebeu do Incra R$ 34 mil para construir cada uma das quatro caixas d’água e poços artesianos. Todos deram na rocha, a profundidades de 100 metros. As máquinas foram embora, deixando os poços e as caixas d’água secos. Três bombas foram roubadas. Nos lotes distantes dos riachos, têm sido cavados poços de 20 metros (a R$ 35 o metro), sem achar água.
Todos os assentados tiveram de tirar, no ano passado, R$ 1 mil do dinheiro dado pelo Incra para pagar a empresa Sinuelo, de Formosa, escolhida pela associação para prestar assistência técnica ao assentamento. Até hoje, na maioria dos lotes, não apareceu agrônomo para analisar a terra. Muitos assentados investiram em torno de R$ 3 mil no plantio de milho, mandioca, arroz e feijão e tiveram R$ 500 de retorno.
A primeira diretoria da associação, formada por pessoas que não moram no assentamento e têm empresas registradas no Distrito Federal, foi criada com incentivo do então superintendente regional do Incra Raimundo Cardoso Freitas. “O Incra não interferiu na diretoria da associação”, diz Cardoso, agora superintendente regional no Acre. “Se tem empresário que foi assentado, compete ao pessoal que fez a seleção e o cadastramento das famílias responder por isso.”
Outro funcionário envolvido na formação do assentamento foi Oscar Ortiz Filho, na época na Divisão de Conflitos Agrários. Inicialmente, Ortiz disse ao Estado que os assentados não tinham, na época da seleção, entre 2000 e 2001, empresas cadastradas. Quando o repórter garantiu que pelo menos sete tinham, o funcionário, que agora chefia a Divisão de Cadastros, disse que não cuidava dessa área: “Eu era mediador de conflitos agrários. Ia resolver atritos entre os acampados.”
E atrito não falta até hoje. Há duas semanas, um assentado matou, com uma facada no pescoço, o caseiro do lote que havia comprado de outro assentado, que se arrependeu do negócio. O assassino desapareceu. Ninguém registrou ocorrência. A lei do silêncio impera no Vereda 2.