Muitas pequenas histórias, de tristeza e alegria

Luís Camargo Wolfman saía do refeitório, acompanhado de sua mulher, Auta, quando um detento trouxe o recado: “A malandragem do 4 quer que o senhor vá até lá.”

 

Luisão, diretor da Casa de Detenção na época, teve um sobressalto. Foi caminhando com Auta, funcionária da Fundação Nacional de Amparo ao Preso (Funap), três colegas dela e mais dois funcionários.

Quando chegaram ao pátio do Pavilhão 4, os presos formavam duas filas lado a lado, numa espécie de corredor polonês. Luisão e Auta entraram na galeria e repararam que os presos tinham as mãos para trás, encostadas na parede. Conforme o casal ia passando, eles puxavam barbantes que subiam até o teto e soltavam pétalas de rosas, que forraram o chão.

No fundo do corredor, havia uma placa, dando o nome de Auta Wolfman à escola do pavilhão, cujos professores detentos a mulher de Luisão visitava uma vez por mês, para dar orientações. “Minha mulher não conseguiu falar, de emoção”, recorda Luisão. “Muito malandro metido a bravo chorou também.”

A Casa de Detenção, lembrada pelo massacre dos 111 no Pavilhão 9 em 1992 e pela megarrebelião do ano passado, está cheia de pequenas histórias como essa. “Tivemos muitas alegrias aqui”, garante Elisabeth Stefani, que trabalhou no Carandiru durante 18 anos, e na terça-feira percorria os corredores do Pavilhão 5 com uma câmera fotográfica na mão e os olhos marejados. “Fiz muitas amizades. Aqui era minha segunda casa. Adoro meu trabalho.”

Elisabeth se lembra de um detento chamado Reinaldo, que fora cúmplice de um assassinato. Sua família o abandonou. Ele nunca recebia visitas. Trabalhando na Detenção, conseguiu adquirir um rádio. Mandou uma carta para um programa, descrevendo sua solidão. Choveram cartas de pessoas que queriam corresponder-se com ele. Entre elas, uma moça, com quem se casou e teve um bebê. Quando terminou de cumprir sua pena, Reinaldo foi solto às 9 horas, mas só saiu da Detenção no fim da tarde, conta Elisabeth. “Ele se despediu de funcionário por funcionário. Parecia que não queria ir embora.”

Claro que não há só histórias bonitas. O diretor de disciplina Osvaldo da Silva, de 50 anos, 20 na Casa de Detenção, estava no Pavilhão 8 durante a rebelião do 9. “Dei umas 30 voltas no pavilhão para trancar os 1.800 presos nas celas, enquanto ouvíamos os do 9 gritando ‘a cadeia é nossa'”, conta. Seus olhos também ficam marejados. “Depois, fui para o Pavilhão 9. Vi os corpos amontoados e o sangue escorrendo pelas escadas.”

Osvaldo também trabalhava num banco, durante a noite. Quando chegou, os colegas o esperavam ansiosos para ouvir seu relato. E para opinar: “Tinha de deixar matar aquela raça.”

Ele também não esquece a primeira vez que viu um preso matar o outro no corredor. A vítima ia correndo e o outro seguia atrás, enfiando a faca artesanal em suas costas e ombros, até que ele caiu de joelhos. “O sangue esguichava dos ombros dele quando ele respirava. Conforme ia-se esvaindo, os jorros ficavam menores, até estancarem.”

Osvaldo ficou estático. Suas pernas não obedeciam. Quando terminou, o assassino trouxe a faca e a entregou a Osvaldo. Seria a primeira vez de muitas. Mas muitas vezes ele pôde evitar, passando o cadeado num dos portões dos corredores depois da passagem da vítima, separando-a do agressor. “Essas mãos salvaram muitas vidas”, orgulha-se. 


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