Na Favela do Alemão, eleição ocorre sob o impacto das obras do PAC

Mesmo quem foi prejudicado por alargamento de rua elogia o governo; até a saúde e a educação melhoraram, testemunha moradora

 

RIO – O acesso às ruas que sobem o Morro do Alemão é bloqueado com estacas de aço fincadas em buracos no asfalto. Rapazes armados de fuzis e pistolas automáticas controlam a entrada e a circulação na favela. A polícia não entra, mas o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) converteu o Complexo do Alemão em canteiro de obras, que incluem teleférico com seis estações, centros culturais, conjuntos habitacionais, postos de saúde, escola de ensino médio, creche e urbanização das favelas. Em poucos lugares a intervenção do Estado brasileiro é tão seletiva e os seus paradoxos, tão visíveis.

Ao meio-dia de um sábado, na rua principal do Morro do Alemão, o Estado ouviu três gerações de uma família no alpendre da casa que lhe pertence há 54 anos. Ainda que vivendo no mesmo bairro e pertencendo à mesma família, o impacto do PAC sobre cada entrevistado é diverso – assim como sua visão do governo, dos políticos e das condições de vida na favela e no País.

Laerte Pereira Quaresma, de 61 anos, foi atingido em cheio pelas obras. O bar que ele alugava havia quatro anos foi um dos pontos comerciais e casas derrubados para o alargamento da via. A título de indenização, o governo lhe pagou “aluguel social”, em três parcelas de R$ 250. “Achei péssimo”, diz Laerte, que há 18 anos possui bar. “O ponto era razoável. Estava trabalhando direitinho.” Ele alugou um bar na Penha, onde está tirando entre R$ 1.000 e R$ 1.200 por mês, ao passo que no Alemão ganhava cerca de R$ 2.000.

Apesar disso, Laerte não é contra o PAC. “Se for concretizado igual está no papel, vai sair coisa boa, mas tem que sair do papel”, insiste Laerte, que acumulava o bar com o trabalho na recepção de um hospital particular antes de se aposentar há seis anos. Não é o teleférico que empolga Laerte: “É obra de faraó. Não era preciso. É para fins eleitoreiros.”

Ele está animado com o alargamento da rua principal do Morro do Alemão, exatamente o que levou à demolição de seu bar: “Para mim, a estrada vai ser muito boa, porque os micro-ônibus vão poder atravessar o morro e ir para outros bairros.” Hoje o que há são Kombis que chegam até a metade do morro e têm de dar meia-volta, porque a rua acaba.

“Ainda não vi governo igual a esse”, elogia Laerte. “Para mim, foi o melhor. Pobre agora pode ter eletrodomésticos, por causa das facilidades que ele obrigou as empresas a dar para os trabalhadores.” Laerte gostaria que Lula continuasse na Presidência, mas reconhece que isso não é permitido pela lei. Ele votou em José Serra em 2002, gostou do primeiro mandato de Lula e votou nele em 2006. Agora, votará em Dilma Rousseff. “Se ela fizer pelo menos metade do que ele fez, ou continuar com o trabalho dele, já tá bom. Ela sendo eleita, ele vai continuar por trás.”

Laerte acredita que, mesmo se o resultado for outro, o PAC não deve parar: “O dinheiro é federal. Vai ter de ter continuidade. Até Serra vai continuar. Ninguém vai querer perder essa chance. Serra não está sendo contrário à obra de Lula.”

Laerte não fala em causa própria: para o seu negócio, “a diferença foi mínima” no decorrer dos últimos anos; sua aposentadoria de R$ 780 não aumentou e o reajuste “não vale nada”, avalia. “Estou dizendo o País em geral, que teve melhora ampla.”

Sua mãe, Laura Pereira Quaresma, de 87 anos, concorda: “Ele está fazendo muitas coisas.” Laura diz que é bem atendida no posto de saúde, mas não vê diferença em relação a dez anos atrás, por exemplo. Ela recebe um salário mínimo de aposentadoria. “Para mim, que sou sozinha, tá bom”, contenta-se Laura, viúva há quatro anos de um encarregado de limpeza aposentado. “Eu votaria no mesmo que está lá”,diz Laura, que acredita que por causa da idade não a deixam votar mais (o que não é verdade).

Rogéria Pereira de Souza, de 43 anos, outra filha de Laura, tem há 4 anos um bar em frente à casa da mãe. “Graças a Deus não mexeram nem com meu bar nem com minha casa”, diz ela, referindo-se ao alargamento da rua pelo PAC. Como Laerte, ela acha que as obras do PAC saem independentemente de quem se eleger. “(José) Serra não vai querer se queimar por causa de R$ 4,5 milhões.”

Rogéria não tem dúvidas de que as condições de vida no Brasil estão melhorando: “Vamos pelo básico. Quando é que pobre comia alcatra, contrafilé, comprava coca-cola todos os dias? Antes, só comia galinha aos domingos. Ovo agora é opção, não necessidade.” Para o almoço do Dia das Mães, no dia seguinte, o cardápio na casa de Laura incluiria: lombo de porco, bacalhoada, carne assada, feijão, arroz e macarrão ao alho e óleo. Além dos oito filhos e dos netos, os almoços na casa precisam ter muita comida por causa do movimento de vizinhos: “Todo mundo conhece a gente aqui”, explica Laudelina Brum Rosas, a Dina, de 55 anos, outra filha de Laura. “Passam aqui e a gente dá (comida).”

“Até a educação melhorou”, continua Rogéria. “As crianças não estudam melhor por falta de incentivo dos pais. O governo paga para os adolescentes estudar, e mesmo assim eles não querem.” Por causa de seu bar, Rogéria tem contato direto com os jovens da favela. “Crio uma afinidade muito grande, o que não é bom, porque acontece alguma coisa com esses meninos, fico sentida, porque são gente boa. Estão lá não entendo por quê”, diz ela, referindo-se ao envolvimento com o crime.

Seu marido, de 47 anos, trabalhava como agente comunitário de saúde, até ter um tumor raro diagnosticado há 5 anos, passando a viver de cama. Seu tratamento é feito no hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Fundão. Rogéria está contente com o serviço: “Não é fácil conseguir atendimento no Fundão, mas, na hora que precisa, faz todos os exames e recebe os medicamentos.” Ela acha que muitas das queixas da população se devem ao fato de não conhecer a finalidade de cada unidade de saúde.

Dina tem uma visão mais crítica do serviço de saúde. Ela conta que começou a sentir dor no braço na semana anterior. Foi ao Hospital Rodolpho Rocco, mas o aparelho de raios X não estava funcionando. Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) inaugurada recentemente no Alemão pelo governo estadual, disseram que não era emergência e a encaminharam à Guanabara, uma clínica particular conveniada com o SUS. Teve de chegar às 4h porque lá só atendem 15 pessoas por dia, e de pagar R$ 50 por uma radiografia. Ainda precisou ir ao Getúlio Vargas, hospital federal, fazer ressonância magnética. Dina conclui: “Graças a Deus não fico doente, não preciso tanto. As poucas vezes que fui me decepcionei. “

Costureira, ela se aposentou há três anos. Tinha um salário “razoável”, mas recebia boa parte por fora da carteira. Contribuiu pouco com o INSS e recebe cerca de R$ 500 de aposentadoria. “Agora com o aumento vou ultrapassar o salário mínimo.” Não está satisfeita. “Lula está sabendo enganar bonitinho todo mundo”, acusa Dina. “Fernando Henrique e (Fernando) Collor foram o que foram. Lula não mostra realmente o que é.”

Dina votou em Lula, e considera que seu governo foi melhor que o de Fernando Henrique. “Agora não sei em quem voto. Por mim, não votaria em ninguém, mas é pior”, pondera. “Vou ser obrigada a votar na Dilma. Não conheço muito bem o que ela fez. Pode até ganhar, mas Lula vai ficar por trás, igual foi o (ex-governador Anthony) Garotinho com Rosinha (sua mulher e sucessora).”

“A Dilma sozinha vai arrasar isso aqui, vai acabar com a UPA, com tudo”, diz Dina. Ao contrário de seus irmãos, ela teme que o PAC não tenha continuidade. “Eu tenho receio de que quando Lula sair fique tudo esburacado. Eles entram pensando em dinheiro. Falam em ajudar, mas querem ‘comer’ mais ainda. Igual quando caiu Niterói”, compara, lembrando os deslizamentos de abril. Dina gosta do PAC: “Acho que a obra está ficando muito boa, está saindo do aspecto de favela e virando bairro.”

Ela conta que, dois dias antes, sua filha de 27 anos, formada em biblioteconomia, terminando pós-graduação e empregada numa empresa do bilionário Eike Batista, passou mal, chamaram táxi e o motorista se recusou a subir o morro, com medo dos criminosos. Com as obras do PAC, acredita ela, os táxis virão. “Não precisará mais ficar implorando: ‘Pelo amor de Deus, moro 100 metros acima, os meninos são bons’.”

Seu sobrinho Victor dos Santos Brum, de 26 anos, está desempregado desde julho de 2008. Durante quatro anos, ele trabalhou como estoquista. Pediu demissão para cuidar de sua mãe, que sofreu derrame e morreu em outubro daquele ano. Com ensino médio completo e curso de massoterapia, ele diz que procura emprego todos os dias. Mas não culpa o governo Lula pelo seu desemprego. Conseguiu vaga de segurança em uma loja, mas uma das empresas em que trabalhou não mandou seus documentos para a matriz, e não o chamaram.

Victor tira R$ 600 por mês fazendo bico como garçom em festas. Como estoquista, ganhava entre R$ 700 e R$ 800, somando salário, comissão e vale-transporte. Sua mulher trabalha há quatro meses no PAC, cadastrando casas para regularização fundiária, e recebe um salário mínimo. “O governo Lula está me deixando satisfeito pelo que vem fazendo pelas comunidades carentes”, diz Victor. “As pessoas que têm situação melhor não estão gostando. Se ele pudesse se reeleger, manteria ele. Infelizmente não pode. Mas, com Dilma junto com ele nessa empreitada, vamos votar nela.” 


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