O banco dos Brics veio para ficar

O NDB, como é conhecido o banco dos Brics, inicia nova fase de expansão e está atrás de bons projetos para financiar

REUNIÃO DO NDB: apesar de ter sede em Xangai, banco está deixando de lado sua faceta chinesa para ser mais global

MARRAKECH — Quando a ideia foi lançada, em 2012, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, parecia mais uma extravagância daquele período de hiperativismo estatal. Entretanto, enquanto muitos projetos nacional-desenvolvimentistas do PT tiveram o seu destino merecido — a lata de lixo da História —, deixando um rastro de prejuízos, esse não foi o caso do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), mais conhecido como “o banco dos Brics”.

Até porque não era um plano só do PT ou do Brasil: envolvia também os outros quatro parceiros da sigla — Rússia, Índia, China e África do Sul. Desses, apenas a Índia, a única democracia em pleno funcionamento, além do Brasil, sofreu alternância de poder.

Em qualquer caso, o NDB está se afirmando como um projeto acima de ideologias e governos. “O banco é um projeto de Estado, de longo prazo”, assegurou a EXAME o diretor-geral de Estratégia e Parcerias do NDB, Sérgio Suchodolski, depois de participar de um debate sobre o desenvolvimento da África, na quinta edição da conferência Atlantic Dialogues, em Marrakech, em dezembro.

Em sua intervenção, à audiência de funcionários de governos, executivos de empresas e pesquisadores do mundo inteiro, Suchodolski, que no governo Dilma chefiou o gabinete da presidência do BNDES, aproveitou para demonstrar o poder dos Brics: 31% do PIB e 42% da população mundiais.

“Esse grupo de países é uma realidade”, disse o diretor a EXAME. “Durante muitos anos, tentaram mudar a arquitetura financeira internacional, tentando mudanças nos principais organismos multilaterais, como Banco Mundial e FMI. Lograram algum resultado, mas acho que chegou um momento em que eles perceberam a necessidade, até do ponto de vista de investimento e financiamento de infraestrutura sustentável, de atuarem em conjunto.”

Certo, mas, para que serve o NDB, e em que ele é diferente? Para Suchodolski, um dos principais diferenciais é o fato de financiar os projetos de infra-estrutura nos cinco países membros nas respectivas moedas locais. Isso elimina o risco da variação cambial, crítico em projetos de longo prazo, como é o caso dos que o banco financia. Além disso, “pode ajudar no desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil e tornar o real uma moeda mais internacional”.

Com dois anos e meio de operações, o NDB aprovou a estratégia dos próximos cinco anos na reunião de seu Conselho em junho. Todos os projetos têm de atender a três pilares: objetivos sociais, ambientais e econômicos.

Com base nesses critérios, o banco tem 3,3 bilhões de dólares investidos em 13 projetos já aprovados (1,5 bilhão em 2016 e 1,8 bilhão em 2017). O Brasil está com uma carteira de 300 milhões de dólares em projetos aprovados na área de energia renovável. “Estamos agora na fase final de projetos com Estados e municípios, em áreas como transportes”, diz Suchodolski.

Nos primeiros cinco anos, o banco estará mais enfocado em infraestrutura sustentável, nos seguintes segmentos: gerenciamento de água, saneamento, energia renovável, eficiência energética, transporte e planejamento urbanos e conectividade.

Para serem aprovados, os projetos têm de se encaixar no mandato do banco, que é infraestrutura e desenvolvimento sustentável, promover a integração entre países e passar também por uma análise da viabilidade econômico-financeira. Todos os projetos estão nos cinco países que fazem parte do banco.

O NDB tem o objetivo de dar um retorno. “Os projetos têm que se pagar”, diz Suchodolski. “Não é maximizar o lucro, mas tem que ser economicamente sustentável.”

O banco conta com um comitê de investimento e crédito e dois níveis de conselhos. Um mais alto, dos governadores, no qual estão os ministros da Fazenda. Eles se reúnem a cada uma ou duas vezes por ano. E há o conselho de diretores, que tem papel mais operacional, de analisar projetos, que se reúne a cada dois, três meses. É composto pelos secretários da área internacional dos ministérios da Fazenda.

Na medida em que vão sendo aprovados, os projetos são publicados no site do banco na internet: www.ndb.int. Esse é outro diferencial que o NDB tem buscado: a transparência. Segundo Suchodolski, o banco criou um time robusto na área de compliance, e procurou facilitar o processo de denúncia interna de irregularidades. O site tem logo na home page um canal de “whistleblowing”, como é chamada a “deduragem” em inglês.

Os cinco membros do banco não gozam de uma grande reputação em matéria de governança. “A experiência tem sido muito positiva”, garante no entanto o diretor. “O banco já fez uma avaliação da parte regulatória dos cinco membros. Ele entende que os ambientes são distintos mas que todos permitem que o banco opere”, afirma Suchodolski, formado em direito pela USP, com mestrado em comércio internacional pela Science Po, de Paris, e na Escola de Direito de Harvard.

“Em casos específicos com os quais o banco venha a se defrontar, dependendo do tipo de projeto, ele vai trabalhar com os governos locais para fornecer algum tipo de input, suporte, para que essa lacuna seja preenchida”, acrescentou.

Outra estratégia aprovada pelo banco é a inclusão de novos membros. Segundo Suchodolski, há 40 países “com um apetite real” em ingressar. Ele não pode dizer quais são, mas afirma que estão distribuídos por igual por todas as regiões do mundo. Os cinco membros fundadores entraram, em 2015, cada um com um quinto do capital inicial do banco, 100 bilhões de dólares (sim, eram tempos de vacas gordas).

Já os novos membros não precisam entrar com a mesma parcela. “Vai ser negociada uma fórmula baseada no PIB, ajustado pelo poder de compra de cada país”, explica ele. “É um padrão dos bancos multilaterais.”

Com sede em Xangai, o NDB teve uma cara inicial muito chinesa, que vai se diluindo aos poucos. Este ano já foi aberto o primeiro escritório regional, em Johannesburgo, na África do Sul. No ano que vem, deve ser aberto um no Brasil. Dos 150 funcionários, apenas sete são brasileiros. Outros sete estão sendo contratados. No final de 2018, a instituição prevê chegar a 220 funcionários.

O site do banco tem também um canal de recrutamento. “Estamos conseguindo atrair profissionais de altíssimo calibre, brasileiros com experiência internacional e nacional nas áreas de financiamento de projetos, jurídica e de comunicação”, diz ele. “Não posso dar nomes porque estão todos em fase final de negociação de contrato.”

O diretor afirma que todas as áreas opinam na contratação dos profissionais. “Isso é importante para a governança.” A seleção é conduzida pela agência de headhunters Korn Ferry. “Fazemos uma avaliação muito técnica”, garante. O NDB tem parcerias assinadas com mais de 20 bancos multilaterais de desenvolvimento, entre eles o Banco Mundial e o Banco Asiático de Investimento em Infra-Estrutura, fundado na mesma época que o dos Brics.

Esses outros bancos entram com uma parte no financiamento dos projetos, o que ajuda a alavancar o capital e a mitigar riscos. “A gente troca experiências, em alguns casos há profissionais que saem de um banco e vão para o outro”, conta Suchodolski. “Temos vários funcionários cedidos por alguns desses bancos. Somos uma grande família.”

O diretor estava vindo da Cúpula do Planeta, em Paris, evento realizado pelo governo francês em parceria com a ONU e o Banco Mundial, em que todos os bancos multilaterais de desenvolvimento, incluindo o NDB, junto com bancos nacionais de fomento, firmaram um comunicado se comprometendo a dar apoio e financiamento para atingir as metas de redução da emissão de gases do efeito estufa.

Assim, Suchodolski garante que não há concorrência entre os bancos multilaterais, mas sim parceria. “O volume necessário de recursos para infra-estrutura hoje é mais de 1 trilhão de dólares (segundo estudo do Global Infrastructure Hub), e mesmo que vários outros bancos como o nosso fossem fundados não dariam conta disso.”

Também não falta liquidez no mundo. O que falta, sobretudo no Brasil, é estabilidade jurídica e política. E competência para desenhar bons projetos.

Publicado no app EXAME Hoje. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*