Petroserv, Queiroz Galvão e Schahin também fizeram negociações diretas e obtiveram `up-grades’
Em sua defesa, a Marítima concordou em citar exemplos envolvendo concorrentes suas, não para afirmar que houvesse irregularidades nos contratos entre elas e a Petrobrás, mas para mostrar que seus casos não são únicos:
A sonda Louisiana, da empresa Petroserv, foi contratada há aproximadamente três anos à taxa diária de US$ 87 mil, para lâmina d’água entre 1 mil e 1,2 mil metros. Graças a duas renegociações diretas sucessivas, sem concorrência, passou para 1,5 mil e depois para 1,9 mil metros e para a taxa diária de cerca de US$ 128 mil. O contrato foi ampliado de cinco para sete anos. A francesa Sedco, por exemplo, tinha sonda equivalente operando no Brasil e poderia ter sido chamada a concorrer.
A Queiroz Galvão renegociou diretamente contratos de duas sondas. A Alaskan Star, de cerca de 25 anos de idade, passou de uma taxa diária de cerca de US$ 39 mil para cerca de US$ 90 mil, em um contrato de cinco anos. Já a taxa diária da Falcon Star subiu de cerca de US$ 27 mil para cerca de US$ 76 mil, em contrato de quatro anos. Em ambos os casos, havia muitas sondas semelhantes disponíveis no mercado e a Petrobrás poderia ter buscado o menor preço. A Queiroz Galvão também tem renegociado diretamente contratos de várias sondas terrestres na Amazônia.
A empresa Schahin negociou aumento da taxa diária de seu navio-sonda SC Lancer, de cerca de US$ 65 mil para US$ 109 mil, em contrato de três anos. A Schahin respondeu ao Estado que o navio é um dos poucos no mundo capazes de perfurar em lâminas d’água de até 1.200 metros. Após o término de um contrato de 18 meses com a Petrobrás, a Schahin diz que reformou e reequipou o navio e renegociou sua taxa diária, mas manteve o preço abaixo dos valores no mercado internacional. A empresa diz ter recebido propostas mais altas, mas tinha interesse de permanecer com o navio no Brasil, “evitando custos de mobilização para outras áreas, como a costa africana ou o norte da Europa, além dos custos de aprendizado para atuar sob as condições climáticas, topográficas e marítimas dessas regiões”.
No contrato para o qual a Marítima não foi convidada, a construção da sétima plataforma de perfuração da série, mencionada acima, estaria começando com dez meses de atraso. A Schahin, vencedora, se teria desentendido com a Fels, de Cingapura, que lhe oferecera o projeto, e só em fevereiro fechou contrato com a americana Friede & Goldman, que forneceu projeto “totalmente diferente” do anterior, “mesmo porque o que foi apresentado na concorrência nem sequer era um projeto acabado”.
A Schahin responde que “a concorrência foi realizada dentro da mais estrita legalidade, bem como dos parâmetros adotados pelo mercado”. O projeto original da Fels foi substituído pelo da Friede & Goldman porque “ela apresentou uma proposta com condições mais favoráveis em relação a prazo de entrega, capacidade operacional dos equipamentos e proximidade física com o Brasil, o que facilitará o acompanhamento e a fiscalização durante sua construção, além da própria entrega”. A empresa diz acreditar que estará pronta para iniciar o trabalho contratado na data prevista – início de 2001.
A Petrobrás afirma que todas essas decisões se devem ao seu imperativo de otimização do uso de equipamentos. Numa licitação ou negociação direta, se ela encontra equipamentos cujas especificações técnicas lhe são rentáveis para determinada operação, e se a relação custo-benefício lhe parece favorável, ela os contrata.
A Petrobrás respondeu verbalmente a todas as questões colocadas pelo jornal. A estatal não apresentou os contratos, alegando sigilo empresarial. Quem tem a prerrogativa de examiná-los é o Tribunal de Contas da União.
Toda essa controvérsia – seja ela fruto de intrigas de concorrentes ou de real favorecimento – só é possível porque a Petrobrás é uma empresa envolvida com o dinheiro público. Por causa da condição de estatal, o sigilo em torno dos negócios da Petrobrás, que, em companhias privadas, seria simples proteção comercial, alimenta suspeitas constantes. Uma Exxon, Shell ou Texaco não precisaria passar horas explicando-se perante um jornalista acerca de suas decisões empresariais.
O Decreto 9.478, de agosto de 1997, colocou a Petrobrás e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sob regime especial, ampliando as condições nas quais elas podem firmar contratos sem licitações. Mas o departamento jurídico da Petrobrás continua tendo de ser convencido de que haja motivos para ir por negociação direta, em vez de licitação. Exemplos de motivos aceitos: mercado desfavorável para a contratação de plataformas, necessidade de decisão rápida ou o fato de só haver uma empresa capaz de atender determinadas especificações técnicas.
A estatal está muito longe da liberdade de movimentos de suas correlatas privadas. É o que reconhece o próprio Joel Mendes Rennó, que presidiu a companhia de novembro de 1992 a março deste ano. Rennó, no entanto, é contra a privatização. “A Petrobrás não precisa disso”, disse ele ao Estado, apontando o sucesso da empresa como líder na exploração de petróleo em águas profundas.
José Augusto Marques, presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), à qual a Petrobrás é associada, concorda com Rennó que não é hora de privatizar. “Não há evidência de disponibilidade de capital privado para a exploração de petróleo, que é um recôndito estratégico”, argumenta. “A ANP vai licitar novas áreas e, na medida em que o mercado se desenvolva, posso mudar de opinião”, completa Marques, que aprova todas as privatizações realizadas pelo governo até agora.
Já para o diretor-geral da ANP, David Zylbersztajn, não é por indisponibilidade de capital que a Petrobrás não deve ser privatizada agora. “As grandes multinacionais do setor têm capital para entrar no Brasil”, declarou. O problema, segundo ele, é outro. “A Petrobrás é uma empresa estratégica no sentido de ser o único monopólio do setor produtivo e se houver um problema com ela, será potencialmente sério”, afirma. “Mesmo havendo órgão regulador, é muito arriscado ficar na mão de um monopólio privado.”
Para Zylbersztajn, antes da eventual privatização, que não foi decidida ainda, será preciso um período de maturação – de cerca de cinco anos -, tanto dos investimentos quanto dos mecanismos regulatórios. No cálculo do diretor-geral da ANP, levará de três a cinco anos para surgirem as primeiras refinarias privadas. Além disso, “depois de tomada a decisão de privatizar a Petrobrás, serão necessários mais dois anos para preparar a regulamentação.” O problema da Petrobrás, na análise do presidente da Abdib, está no método da licitação. “Na Europa, em países muito menos burocratizados do que o Brasil, são usados mecanismos de controle direto sobre empresas públicas”, diz Marques, vice-presidente da Asea Brown Boveri. O modelo seguido, segundo ele, é o do controle dos acionistas majoritários sobre empresas privadas, por meio de métodos de gestão. A única diferença é que os controllers, nesse caso, são representantes do governo.
“Não seria preciso preencher uma montanha de papel todo mês até para comprar lápis, que só alimenta uma burocracia que aumenta o custo da fiscalização e nem sei se protege o dinheiro público”, completa Marques. “Para que a Petrobrás possa competir em condição isonômica com concorrentes privadas, é preciso livrá-la desse emaranhado legal.”