Pedofilia, o crime sem castigo

PORTO FERREIRA E CAXAMBU – As histórias de abusos sexuais de crianças e adolescentes em Catanduva são tão chocantes que parecem não ter precedentes.

 

Mas não é assim. A inocência trocada por doces ou alguns reais, orgias com crianças regadas a álcool e a drogas, o abuso de meninos e meninas duplamente fragilizados, pela idade e pela pobreza, são fatos relativamente comuns no Brasil, que têm vindo à tona com regularidade. Porto Ferreira, 230 km ao norte de São Paulo, e Caxambu, no sul de Minas, são apenas dois dos mais conhecidos, ocorridos em 2003 e 2004.

Porto Ferreira tem ainda em comum com Catanduva a juíza Sueli Juarez Alonso, que apenas oito meses depois do escândalo condenou 10 dos 12 acusados, incluindo 6 vereadores, com penas de mais de 40 anos. Em Caxambu, em contraste, cinco anos depois das denúncias, nenhum dos 17 acusados foi julgado. Entretanto, apesar das elevadas penas, nenhum dos condenados em Porto Ferreira está hoje na cadeia. Como não foram enquadrados em crime hediondo, tiveram de cumprir apenas um sexto das penas e ainda receberam indulto presidencial.

Assim como em Caxambu, em Porto Ferreira os acusados transitam tranquilamente pela cidade, enquanto as vítimas e testemunhas vivem com medo, sob pressões e ameaças. Em Caxambu, as seis meninas abusadas simplesmente retiraram suas denúncias. Em Porto Ferreira, pais e filhas são intimidados por perseguições dos ex-presos, se ressentem da falta de assistência social e de proteção, e uma delas já decidiu ir embora da cidade. Em Catanduva, com poucos dias transcorridos desde o escândalo, as crianças abusadas são estigmatizadas na escola e na vizinhança. Nas três cidades, vítimas e testemunhas se perguntam se valeu a pena ter denunciado.

Na pedofilia – seja na forma do abuso doméstico ou da prostituição -, há sempre uma assimetria de poder. O abusado ou prostituído está nessa condição por ser muito mais frágil que o seu algoz. No Brasil, mesmo com a rede de proteção dos conselhos tutelares, varas da infância e adolescência, assistência social judiciária, delegacias de polícia especializadas, abrigos e serviços médicos e psicológicos, o privilégio do criminoso sobre a vítima se mantém depois do abuso, e até da eventual punição.

A lei não ajuda muito. Para os casos de prostituição infantil, ela exige que a denúncia seja feita pelos pais, quando em Caxambu, por exemplo, a mãe, o padrasto e os irmãos são acusados de terem prostituído as meninas. A pedofilia não está tipificada no Código Penal, que data de 1940. Os réus são enquadrados em “atentado violento ao pudor” e em “estupro com presunção de violência” (no caso de menores de 14 anos) – cada crime com prisão de 6 a 10 anos. Geralmente primários, eles saem rapidamente da prisão, quando chegam a ficar nela. Seu dissabor é passageiro. O sofrimento das vítimas parece não acabar nunca. 


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