Até eleitores que não votaram em Lula aprovam gestão e tendem a escolher Dilma
CURITIBA – Há 18 anos, quando começou a se formar, o bairro Sítio Cercado fazia jus ao nome, com seu aspecto rural. Hoje com 180 mil moradores, é o bairro mais populoso da periferia de Curitiba. Seu comércio acanhado contrastando com a vasta população revela sua natureza de cidade-dormitório, cuja mão de obra se emprega nas áreas centrais da cidade e nas indústrias da Grande Curitiba. A classe trabalhadora de Sítio Cercado vive intensamente o dinamismo da geração de empregos. Num frio fim de tarde de quarta-feira, cinco moradores se reuniram na rádio comunitária do bairro para conversar com o Estado.
O motorista José Aparecido da Silva, de 39 anos, era empregado de um supermercado até dezembro. “Saí porque o serviço era muito puxado, trabalhava sábado, domingo e feriado e o salário era baixo: R$ 700.” Agora, ele presta serviços para uma empresa que transporta passageiros em vans para São Paulo, onde fazem compras na Rua 25 de Março. Aparecido sai às 6 horas e volta às 6 do dia seguinte. Por cada viagem, ganha R$ 150. Tira R$ 1.000 por mês. “Trabalho menos e ganho mais.”
Sua mulher, uma cabeleireira de 45 anos, também deixou há 6 anos um emprego para abrir o próprio negócio. “Ela trabalhava num salão de gente rica no centro e agora atende a gente pobre aqui”, descreve Aparecido. Seu salário era de R$ 1.000. Agora ela tira R$ 1.500 por mês. Ambos estão pensando em formalizar-se pelo programa Pequeno Empreendedor, do governo federal, passando a pagar INSS. “Na minha opinião, melhorou a situação do Brasil”, opina Aparecido. “No feriadão as estradas estão lotadas de carros e a rodoviária está cheia. Se estão viajando, é porque está sobrando dinheiro.”
Há oito meses, o radialista e eletricista Jânio Silva, de 50 anos, comprou o seu primeiro carro, um Fusca 74, por R$ 2.500. “Acho que nos últimos anos as coisas têm melhorado”, diz Jânio, que apresenta um programa de música sertaneja gaúcha na rádio comunitária, e faz bico de eletricista. “Está tendo bastante emprego, às vezes as pessoas é que não estão capacitadas.”
É o caso de Adalberto Difert, que não pôde participar de um concurso de agente de saúde do bairro porque não tinha o primeiro grau completo. Aos 55 anos, ele voltou a estudar em fevereiro. Entrou no equivalente à 5.ª série e agora está na 6.ª. “Este ano termino o primeiro grau”, anima-se. “Tive de me emendar depois da meia idade. Comecei a sonhar de novo.”
Depois de ter trabalhado como auxiliar de escritório, frentista de posto de gasolina e porteiro, Adalberto tornou-se em 1989 sacoleiro de cigarros do Paraguai. Dez anos mais tarde, quebrou, com a desvalorização do real. Desde então, vive de bico, e tira de R$ 500 a R$ 600 por mês pintando portões e casas. Sua mulher, viúva, complementa a renda com uma pensão de R$ 600. O sonho de Adalberto, mesmo, é voltar a ser porteiro.
Diabético e com perda parcial da visão, Armando Ferreira, de 49 anos, está há 3 afastado do trabalho de motorista de ônibus urbano, e recebe um benefício de R$ 1.300, equivalente a 70% de seu salário. Ele se queixa do serviço público de saúde. Sua mulher, de 48 anos, que trabalhava como servente numa creche, também se afastou há 2 anos, por causa de um transtorno psíquico, e recebe R$ 510. Ambos lutam para serem definitivamente aposentados, mas não conseguem. Para garantir o benefício, eles têm de voltar periodicamente ao médico para perícia. Às vezes não conseguem marcar consulta a tempo, e ficam até cinco meses sem receber o dinheiro.
Apesar desses problemas, sua avaliação do governo é “positiva”. Graças às facilidades de crédito, Armando conseguiu trocar seu Escort 87 por um Clio 2008, em 60 prestações de R$ 700. “Hoje tenho computador e internet em casa, a R$ 35 por mês.” Ele diz que votou em Lula em todas as eleições e não se arrependeu. “Só na área da saúde é que estão tapando muito o sol com a peneira.” Por isso, pensa em votar em José Serra, ex-ministro da Saúde: “Na área de saúde ele até que foi bom, introduziu os genéricos. E Lula deixou muito a desejar.”
“Lula se imortalizou, caiu nas graças do povo com o Bolsa-Família”, elogia Adalberto. “Ele fez o pobre comer picanha. Depois de Getúlio Vargas, ele foi ‘o cara’.” O pintor sentencia: “Em time que está ganhando não se mexe. Se Lula já plantou a mulher e o partido votou, você não vai arriscar a entregar para um partido que vendeu o País”, completa, referindo-se à privatização sob o governo do PSDB.
Aparecido lembra que FHC teve o mérito de implementar o Plano Real. “Isso ninguém tira dele.” Mas sempre votou em Lula. “Agora acho que a gente tem de manter o que está aí, que é a Dilma.”
O comerciante Amado Pires, de 65 anos, também está contente com o presidente: “Lula é obrigado a sair, mas devia de ficar.” Ele tem ressalvas quanto a sua candidata. “Nunca fui de acreditar em mulher pela história bíblica”, confessa Amado, que foi da Igreja Cristã do Brasil, da qual teve de afastar-se por problemas conjugais. “A Bíblia diz que a mulher, se quiser aprender alguma coisa a mais, tem de indagar ao marido, porque autoridade Deus deu só ao homem, não à mulher”, afirma Amado. “Mas porque o brasileiro é muito frágil, as mulheres estão tomando partido”, analisa. “Como Lula está apresentando Dilma, vou votar nela. Vou arriscar na palavra dele, para complementar o processo que ele começou.”
Amado prosperou nesses anos de governo Lula, e atribui isso à facilidade de crédito. Ao lado da banca de bicho que tem no bairro há 14 anos, ele abriu há um ano uma lojinha de presentes. Mora num sobrado e tem outro sobrado e uma casa alugados, que lhe rendem R$ 700. Possui ainda um Ford Ka 2000. “O povo brasileiro nunca teve oportunidades como hoje, facilidades de comprar carro, moradia”, celebra Amado, que antes votava no PMDB.
Para a cabeleireira Salete Lúcia Perin, de 57 anos, o melhor período da vida foram os últimos 6 anos, quando ela construiu a casa onde mora e funciona seu salão, e mais o sobrado geminado, que aluga para a rádio comunitária. “Consegui por causa da economia do Brasil”, avalia. Salete votou contra Lula nas duas últimas eleições. “Nem lembro quem era o outro candidato. Eu era anti-PT”, conta ela. “Agora, vou virar PT, porque a economia foi bem. Acho que tem de dar continuidade no que foi bom.”