Polarização paralisa a CTNBio

Comissão se divide entre os que confiam ou não nos relatórios das empresas e nos pareceres dos cientistas

 

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é um órgão polarizado. De um lado, uma maioria julga que os experimentos feitos pelas empresas e avaliados por pareceres de cientistas independentes e da própria comissão, ao lado da experiência internacional, são garantia suficiente para autorizar os cultivos, sob monitoramento. De outro, uma minoria aguerrida afirma que não se pode ter certeza da segurança para a saúde e o meio ambiente.

‘Não há nenhum problema intrínseco com os transgênicos’, explica o biólogo João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. ‘Há uma preocupação muito grande com a introdução de cultivares de organismos geneticamente modificados, se eles vão ou não transferir genes e características específicas a parentes silvestres e ancestrais.’

O temor é o de que o pólen de uma planta transgênica fertilize uma planta convencional, transmitindo-lhe suas características, e que isso se repita tantas vezes que afete a biodiversidade do País. A mistura poderia acontecer também nos silos onde se armazenam os grãos, transformando toda a produção em transgênica, já que ela é dominante sobre a convencional, adverte Capobianco.

As regras de biossegurança no Brasil estão entre as mais rigorosas do mundo. Enquanto na Espanha, por exemplo, a distância mínima obrigatória entre um cultivo transgênico e uma lavoura convencional de milho é de 20 metros, no Brasil, é de 400. Segundo a engenheira agrônoma Luciana Di Ciero, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que fez um parecer sobre um milho transgênico, a distância de 20 metros já asseguraria contaminação menor de 0,2%, quando o máximo aceitável, na Espanha como no Brasil, é de 0,9%.

Os ambientalistas afirmam que uma contaminação teria efeitos irreversíveis. Os cientistas discordam. Luiz Antonio Barreto de Castro, do Ministério da Ciência e Tecnologia, cita vários episódios em que variedades de plantas foram eliminadas de todo o País, por causa de pragas, e substituídas por outras: a ferrugem do café, a tristeza do citros e, agora, a vassoura de bruxa do cacau.

Na história da agricultura, houve inúmeros cruzamentos. ‘Não é possível raciocinar que, se o pólen sai de uma planta e vai para outra, o mundo vai-se acabar’, diz Barreto.

‘Não somos contra o transgênico em si, mas contra a sua liberação indiscriminada, sem o devido estudo de impacto ambiental’, diz Gabriela Vuolo, coordenadora de campanhas de engenharia genética do Greenpeace, um dos protagonistas da Campanha Nacional por um Brasil Livre de Transgênicos. Nem mesmo o argumento de que as plantas transgênicas exigem menos agrotóxicos sensibiliza os ambientalistas. ‘Temos evidências contrárias’, diz Gabriela, apontando para o aumento da aplicação de agrotóxicos com o passar do tempo, conforme se vai desenvolvendo resistência.

Os benefícios apontados para os pequenos produtores, com o desenvolvimento, pela Embrapa, de feijão, tomate, mandioca, mamão e batata transgênicas, assim como a soja cultivada nas propriedades familiares do Rio Grande do Sul, também não convencem o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Magda Zanoni, professora licenciada da Universidade de Paris 7 e pesquisadora do ministério, considera as práticas da agroecologia, como a associação de cultivos, mais desejáveis. ‘As sementes transgênicas agravam a dependência ao pacote tecnológico’, diz ela. ‘Quem compra a semente transgênica, compra obrigatoriamente o glifosato. Produz-se uma dupla dependência do agricultor, traduzida pelo pagamento de royalties.’

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

Nos EUA, onde foram plantados 54,6 milhões de hectares de transgênicos no ano passado – ante 11,5 milhões no Brasil (56% do total de soja) -, os órgãos públicos, por princípio, acreditam nos relatórios das empresas e nos pareceres dos cientistas. Se houver dúvidas, os pareceristas repetem os testes em laboratório. Se algo der errado depois de lançado no mercado, a empresa presta contas à Justiça.

É assim também com os medicamentos, recorda Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. A própria Embrapa abandonou uma pesquisa em 1993, quando detectou que uma proteína de castanha-do-pará transferida para o feijão causava alergia. Normalmente, dizem os especialistas, é assim que ocorre, e por isso, passados dez anos não há casos cientificamente comprovados de problemas causados por transgênicos no mercado.

No Brasil, tem-se invocado o princípio da precaução, segundo o qual o ônus da prova recai sobre as empresas e, sem uma garantia absoluta, não se dá licença. No caso da agricultura, isso cria um círculo vicioso, dizem os especialistas. A área de um experimento de pesquisa é pequena demais para se saber como o cultivo em grande escala vai interagir com o ambiente. Como no Brasil não se aprova o cultivo em escala comercial, que seria então monitorado ano a ano, não se chega a uma conclusão definitiva. E a fila da CTNBio não anda. 


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*