A tendência é obrigar autores de furto a devolver mais do que tomaram; mas falta confiabilidade ao sistema
Há um certo consenso, entre os especialistas, de que aqueles que cometem crimes hediondos, que representam uma ameaça para a sociedade ou que reincidem várias vezes em delitos menos graves, têm de ir para a cadeia. Mas há também a constatação de que muitos dos que estão na cadeia deveriam estar cumprindo outros tipos de pena.
Segundo Giovanni Quaglia, do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, há uma tendência, nos países mais adiantados, de obrigar o ladrão a devolver o que roubou e ainda pagar um pouco mais. É a chamada Justiça de restauração, aplicada aos crimes contra o patrimônio, que na América Latina e na Europa representam de 60% a 80% do total.
‘Quem cometeu crimes hediondos não tem outra solução, tem de ficar em regime fechado’, pondera Quaglia. Para a recuperação dos criminosos, aplicam-se regimes de semiliberdade, em casas com assistentes sociais e 10 a 20 detentos, que passam o dia fora e têm de voltar às 21 horas. ‘Não é brando’, enfatiza Quaglia. ‘É estrito. Tem de cumprir, com pessoal especializado acompanhando.’ Em caso de reincidência, o criminoso volta para a cadeia, com a pena dobrada.
‘No Brasil, há uma cultura segundo a qual a única punição é a cadeia’, critica Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB-SP. ‘Com as cadeias lotadas, o único caminho é investir nas penas alternativas, para que possamos punir todos: quem é perigoso, com cadeia, e quem não é, com outros mecanismos’, diz o criminalista, que fez doutorado sobre o tema.
D’Urso qualifica de ‘bobagem’ mandar para a cadeia autores de furtos, por exemplo – que representam 12,4% dos crimes cometidos pelos presos (ver gráfico). Já os roubos (que implicam algum tipo de violência) devem ser examinados caso a caso. ‘O parâmetro é a duração da pena.’
A pena, dizem os especialistas, deve ter duas finalidades: desencorajar o crime e, quando possível, recuperar o criminoso. ‘O encarceramento rompe o laço com a comunidade’, analisa Paula Miraglia, diretora-executiva do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). ‘As penas alternativas reforçam a possibilidade de ressocialização.’
Paula reconhece, no entanto, que, para a sociedade acreditar nessa pena, é preciso que o sistema ganhe confiabilidade. O próprio regime semi-aberto, hoje em vigor, funciona precariamente devido à falta de colônias agrícolas e oficinas de trabalho. Quando não há vagas, o juiz ou mantém no regime fechado o preso com direito ao semi-aberto ou o libera para o aberto.
No estado em que se encontram, concordam os especialistas, os presídios se converteram em ‘escolas de crimes’, dos quais, muitas vezes, quem entra ladrão sai assassino. O paradoxo disso, que desmoraliza todo o sistema de Justiça, é que, enquanto alguém que tenta furtar comida num supermercado ou remédio numa farmácia pode amargar um ano na prisão, assassinos condenados, com bons advogados, aguardam em liberdade o julgamento de seus infindáveis recursos.
Um conjunto de propostas entregue no ano passado ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pela Associação Paulista de Magistrados, inclui mudança na legislação, para que os condenados aguardem o julgamento de recursos na prisão.
‘Um relator do Tribunal de Justiça faria uma triagem e só concederia liminares contra decisões absurdas’, explica o presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luiz Carlos Ribeiro dos Santos. ‘Se a decisão estiver dentro da lei, o condenado espera na prisão.’ É assim noutros países.
O desembargador acredita que as medidas que estão sendo votadas no Congresso – semelhantes a algumas das propostas dos magistrados – não resultarão em aumento da população carcerária. O aumento da permanência dos criminosos na prisão deverá ser compensado pela redução na criminalidade, aposta o magistrado.