Nove dias após invadir a casa de Silvio Santos, Fernando o mantém por 7 horas como refém
Nove dias depois de sair pelo portão da garagem levando Patrícia Abravanel em seu Passat, Fernando Dutra Pinto voltou ontem ao número 480 da Rua Antônio Andrade Rabelo. Em vez do disfarce de carteiro com que entrou facilmente na casa do bilionário Silvio Santos 215 horas antes, ou do terno que trajava 13 horas atrás, quando matou dois policiais e feriu um, dessa vez Fernando veio vestido de Fernando mesmo, ainda que com os cabelos tintos de loiro: moletom laranja, camiseta cinza, gorro escuro.
Antes de entrar na casa de três andares do Bairro do Morumbi, foi visto caminhando pelos arredores. Não despertou suspeita suficiente para alguém avisar alguém. Eram 7 horas quando a jornalista Carla Augusta, da TV Bandeirantes, viu Fernando saltar o muro, ao lado da guarita de vigilância.
Correu para avisar a guarda particular. Não acreditaram nela.
Os guardas levaram dez minutos para chamar a polícia, que levou outros dez para chegar à casa. Enquanto Carla tentava convencer os vigias de que Fernando estava de volta – num lance que permaneceria encoberto pelo manto da incredulidade no resto do dia -, o seqüestrador, com a desenvoltura de quem tinha intimidade com a planta da casa e com os hábitos matinais de seus moradores, ganhava a passagem da cozinha para a sala de ginástica, onde encontrou Silvio.
“Eu sou a pessoa que seqüestrou sua filha”, apresentou-se, pistola 380 milímetros na mão direita, revólver calibre 38 na esquerda. “Não faça nada.
Já fiz muita besteira e posso fazer mais.” Pouco mais de uma semana depois do primeiro seqüestro de sua curta carreira, Fernando, de 22 anos – que originalmente cogitara seqüestrar Silvio Santos, depois de ler sua biografia, mas, por prudência, elegera Patrícia -, empurrava agora os limites de sua audácia, embalado talvez pelo temor de que, se não recuperasse a iniciativa, acabaria morto pelos colegas de suas vítimas da véspera; ou por delírio de onipotência.
Seja qual fosse sua motivação, Fernando pegou a polícia de surpresa. Depois de atravessar a noite no encalço do líder do bando, cujo irmão e cúmplice Esdras e comparsa Marcelo Batista Santos, aliás Pirata, já estão presos, os integrantes de virtualmente todas as equipes da polícia paulista já estavam exaustos, quando a manhã trouxe pelo rádio a notícia que soou como um tapa na cara: Fernando Dutra Pinto, o homem mais procurado do País, cuja ação motivara telefonema do presidente Fernando Henrique Cardoso, retornara à cena do crime, abandonada pela polícia.
O dono da cena – Cerca de 150 policiais cercaram a casa de Silvio Santos. O apresentador, o único ator desarmado na trama, não se acomodaria ao papel de coadjuvante. Quando identificou na testa de Fernando o brilho vermelho da mira de raio laser dos atiradores de elite, Silvio se ergueu, os braços abertos, colocou-se entre os policiais e o seqüestrador e propôs: “Vamos resolver isso com calma. Vou cuidar de tudo.”
O involuntário anfitrião conduziu o invasor até a cozinha, enquanto sua mulher, Íris, e as quatro filhas eram retiradas, de pijama, para uma casa vizinha. Serviu-lhe o café da manhã e ambos passaram a assistir televisão. A partir daí, Silvio assegurou o domínio da cena. Conduziu as negociações e garantiu atmosfera relativamente relaxada, segundo testemunho do capitão Diógenes Viegas Della Lucca, comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais.
Fernando tomou banho, para receber os cuidados da médica Suzana Migro, do Sistema Brasileiro de Televisão, que chegou às 10 horas para extrair a bala e tratar o ferimento de suas nádegas que, na véspera, deixara um rastro de sangue ao longo dos dez andares que desceu em sua fuga espetacular. Conforme a manhã transcorreu, cresceu a confiança entre refém e seqüestrador, que chegou a proferir: “O que o seu Silvio decidir, está decidido.”
A pedido do apresentador, o governador Geraldo Alckmin, que desde o início do drama cancelara todos os compromissos, veio presenciar o desfecho.
Fernando descarregou a pistola e o revólver e os entregou pela porta entreaberta da cozinha. Um furgão do Gate, escoltado por um comboio com pintura de camuflagem, levou o seqüestrador para o Centro de Observação Criminológica, no Complexo do Carandiru. Durante sete horas e meia, Fernando mantivera Silvio como refém – e, com ele, milhões de brasileiros, que não descansaram até assistir ao fim desse incrível show da vida real.