Sonhadores da cidade engrossam fileiras do MST

Movimento se volta para a cidade e recruta militantes entre desempregados

 SANDOVALINA – Há dois anos, Amélia Gomes de Freitas tomou uma decisão drástica. Pediu demissão na fábrica de massas Liane, de Presidente Prudente, onde fazia serviços gerais e ganhava R$ 400, com carteira assinada, e foi com o marido pedreiro e a filha de oito anos para um acampamento do Movimento dos Sem-Terra na Fazenda Santa Fé, em Sandovalina, no Pontal do Paranapanema.

Ali, Amélia e a família passaram a viver agruras de toda sorte: frio, calor, poeira, falta de comida e de água, medo. Às duas da tarde do dia 13 de outubro de 2002, um domingo, homens chegaram encapuzados e abriram fogo contra o acampamento. O barraco de madeira de Amélia, na linha de frente do tiroteio, levou 38 balaços de espingarda calibre 12. A família estava dentro do barraco. Nada sofreu, além do susto.

Nem esse susto fez Amélia desistir do sonho de uma “terrinha” sua. “A gente achou melhor pegar um pedaço de terra do que ficar na cidade”, lembra ela. “Não me arrependo.”

Como Amélia, Gleiciano Pereira, de 19 anos, cresceu na cidade, mas aspira a uma vida na roça. Ele e o irmão mais velho, Elicarlo, estão no Acampamento Jahir Ribeiro, uma impressionante fila de 3,5 quilômetros de barracos dos dois lados de uma rodovia perto de Presidente Epitácio, que abriga, segundo o MST, 3.900 famílias.

Amélia e Gleiciano fazem parte do novo contingente do MST, que se voltou para a cidade. Na visão do movimento, a reforma agrária – que nos últimos anos custou em média R$ 40 mil por família, num investimento total de R$ 20 bilhões – é a “forma mais barata” de assimilar os desempregados da cidade.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, discorda dessa teoria. “A reforma agrária é um instrumento poderoso para a geração de trabalho no campo; não é capaz de resolver todos os problemas sociais do País”, disse ao Estado. Em qualquer caso, assegura Rossetto, os desempregados da cidade estão em minoria nos acampamentos de sem-terra que, segundo levantamento do Incra, reúnem 130 mil famílias.

A vida e o trabalho que os acampados da cidade vislumbram para si no campo são permeadas de imagens pouco realistas. “Vou plantar de tudo”, diz Gleiciano. “Para comer e para vender.” O que mais chama a atenção, no entanto, é a semelhança dessa visão com a dos acampados que têm origem no campo. “Vou plantar de tudo e tirar leite”, anima-se João Marques, de 54 anos, no Acampamento do Movimento Terra e Pão, em Santo Anastácio.

Os acampados – assim como muitos assentados – rejeitam modelos que especialistas consideram indispensáveis para o sucesso na agricultura familiar, como a associação dos produtores para comprar insumos, plantar as mesmas coisas e vender juntos para a agroindústria, beneficiando-se de escala. “Sistema coletivo não funciona”, descarta um aposentado acampado, que prefere não se identificar.

“Para ser mais objetivo na análise dos pobres dos assentamentos, seria interessante compará-los com os pobres urbanos, alguém que mora numa favela, por exemplo”, sugere o professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, em Piracicaba, autor da mais abrangente radiografia da situação dos assentamentos no País.

“Haverá carências em ambos os casos”, pondera o pesquisador, mas os assentados usufruem de mais segurança, de família mais preservada, de comida e ambiente melhores, auto-estima, dignidade, e até mesmo mais chances para os filhos, na sua visão.

Tanto as pesquisas de campo de Sparovek quanto as de Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia e Administração da USP, indicam que a maioria se sente feliz nos assentamentos. Segundo o Incra, a taxa média de evasão dos assentamentos do País é de 29,7%. A pergunta que resta fazer é: haveria outra maneira melhor de beneficiar cada família com R$ 40 mil?

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