Manifestação com cerca de 15 mil pessoas juntou temas como reforma agrária e globalização
JOHANNESBURG – Sob um aparato de segurança sem precedentes mesmo na conturbada história da África do Sul, cerca de 15 mil militantes do mundo inteiro se manifestaram ontem pacificamente em Johannesburg. A agenda dos inúmeros grupos representados no protesto ia da reforma agrária à causa palestina, do fim da globalização ao “racismo ambiental”.
“Para os movimentos sociais este é o ponto alto, que marca a nossa posição numa variedade muito grande de temas”, disse Moacyr Villela, um dos dois militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) que vieram a Johannesburg. “Mas há uma convergência. Os ambientalistas, por exemplo, já estiveram muito mais longe dos agricultores do que hoje.” Os chamados movimentos sociais divulgarão na terça-feira um documento denunciando o “seqüestro” da cúpula pelas grande corporações.
“Estão tirando os governos das negociações, fazendo pequenos acordos entre corporações e organizações não-governamentais, que são uma gota no oceano”, criticou Villela. “A conferência mundial se converteu num escritório de negócios. Os acordos de tipo 2 (voluntários, entre parceiros) ocuparam espaço desmesurado.”
Nesse ponto, há uma coincidência com a posição do Brasil e de alguns países em desenvolvimento. Um membro do governo brasileiro chegou a dizer que “isto aqui não é um mercado persa”, reagindo à suposta intenção dos americanos e europeus de oferecer grande volume de recursos para programas no setor de água, em troca da retirada de metas globais do Plano de Implementação da Agenda 21. Esse tipo de oferta, no entanto, seduz os países mais pobres, ansiosos por obter assistência financeira.
Na multidão também se encontravam ativistas que, mesmo sem saber, defendem posições muito próximas do governo brasileiro e de seus parceiros. O italiano Piero Polimeni e o espanhol Rafael Madueño, da Rede Medforum, dedicada ao desenvolvimento sustentável na região do Mediterrâneo, não conhecem a proposta brasileira para a energia, mas defendem um de seus itens – o apoio às pequenas hidrelétricas, que não causam danos ao meio ambiente.
O sociólogo Robert Bullard, da Universidade Clark, em Atlanta, nos EUA, também não ouviu falar das posições brasileiras, mas foi à passeata defender o uso de fontes renováveis de energia e denunciar os padrões de consumo dos países ricos, que afetam o meio ambiente e esgotam os recursos naturais. “Estamos em má posição porque consumimos tanto e não estamos dispostos a negociar a redução do consumo.”
Bullard e outros dois americanos da Organização Ambiental Negra Nacional se misturaram aos sul-africanos, que entoavam, em idioma zulu-siluela: “Estamos lutando por nossos direitos.” Henry Clark, doutor em ciência ambiental na Califórnia, denunciava o “modo como o governo não protege as pessoas de descendência africana da poluição das indústrias”, ou seja, o racismo ambiental.
Os manifestantes começaram a se concentrar às 9 horas (4 horas em Brasília) no bairro pobre de Alexandria, ao norte, e chegaram às 16 horas a Sandton, no centro de Johannesburg, 10 quilômetros ao sul, onde se realiza a cúpula. Seis mil policiais e soldados do Exército criaram um cordão de isolamento em torno do complexo da cúpula para impedir invasões. Não houve incidentes.