Tráfico transforma Fortaleza na capital do homicídio

Assassinatos triplicaram entre 2005 e 2013 e cidade ultrapassou Maceió

 Lourival Sant’Anna (Texto, fotos e vídeo)                                                                                                  

Enviado especial / FORTALEZA

 Um policial militar à paisana, com a pistola no colo enquanto dirige seu carro pelas ruas do bairro de Vila Velha, explica ao Estado: “Aqui, os motoqueiros não podem usar capacete, e os carros têm de andar com os vidros abaixados. Se não, os traficantes atiram”. Disputada por dois bandos, que dividem o seu território, Vila Velha é uma das muitas áreas que contribuíram para Fortaleza tornar-se a capital mais violenta do Brasil, ultrapassando Maceió, ainda que por ínfima margem.

As razões, como acontece em muitos outros lugares, são a disputa por pontos de venda da droga e acertos de contas por dívidas não pagas. Mas a violência acaba atingindo pessoas inocentes. Em setembro, dois rapazes conversavam na calçada da casa de um deles, às 22 horas, quando um casal de adolescentes chegou numa moto e abriu fogo. Pertencentes ao bando Gafanhotos, segundo a polícia, eles confundiram Roberto Nunes, de 27 anos, com um traficante da gangue rival V3. Estoquista de um supermercado, Nunes morreu com um tiro na cabeça. Seu vizinho, um estagiário que fazia curso de design, de 19 anos, tentou fugir para dentro de casa, mas foi ferido com dois tiros. Policiais disseram que sabem quem são os assassinos, mas as famílias não quiseram testemunhar, por medo de represálias. Os adolescentes estão soltos. Depois desse episódio, as ruas de Vila Velha ficaram mais desertas, e muitos moradores colocaram suas casas à venda.

“Ele era um menino bom, não era envolvido com nada, trabalhava, e mataram ele friamente”, disse uma parente de Nunes, que pediu para não ser identificada. “Estavam procurando outra pessoa que tinha todas as características dele. O tráfico está mandando. Pessoas conhecidas da gente, que a gente não pode confiar.” Ela afirma que não vale a pena denunciar os assassinos: “Para quê? Para perder tempo? Para se comprometer? Porque mata e fica por isso. Muitas pessoas conhecidas já perderam filho, marido, irmão”.

A mulher conta que seu filho entraria agora no 1.º ano do ensino médio, mas, assim como muitas outras mães, não o matriculou no Liceu de Vila Velha, porque no ano passado mataram um rapaz dentro da quadra do colégio, a mando dos traficantes. Ela tem uma prima que mora no mesmo bairro, mas uma não pode visitar a outra, porque estão em lados controlados por diferentes gangues. “Não pode passar nem para lá nem para cá.”

O pastor Alex Nunes, da Igreja Cristã Missão Maanaim, e líder da Comunidade Amigos do Vila Velha, onde atua há 16 anos, levou o “Estado” para conhecer o bairro, em sua Kombi, junto com dois policiais à paisana, um dos quais nasceu e mora até hoje lá. Antes de sair, o pastor fez uma oração. O bairro, que começou com a desapropriação de um terreno pela prefeitura, e agora tem 70 mil moradores, estende-se até a beira de mananciais, contaminados pelo esgoto e por um lixão. “Na falta de perspectivas, a juventude tem incorrido no mundo das drogas, porque lhe falta a base familiar”, avalia o pastor. Nunes propõe a introdução de aulas sobre os riscos das drogas para crianças de 7 anos – idade na qual, segundo o pastor, elas ingressam no tráfico.

Escalada. Entre 2005 e 2013, o índice de homicídios em Fortaleza triplicou. Em 2013, a capital cearense registrou 82,9 assassinatos por 100 mil habitantes, ultrapassando Maceió, que teve 82,8 por 100 mil. Os números foram corrigidos pelo Estadão Dados, para evitar a subnotificação de mortes violentas ocorrida em alguns Estados. Antes de o Primeiro Comando da Capital (PCC) unificar o crime organizado, o índice de homicídios era bem mais alto em São Paulo. Uma organização desse tipo não chegou – ainda – ao Nordeste. 

O sociólogo César Barreira, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, observa que, juntamente com a chegada do tráfico, houve uma substituição das armas brancas pelas de fogo, mais letais. “De dez casos atendidos nos postos de saúde de 1980 até o início década de 90, nove eram de arma branca e só um de arma fogo”, diz ele. “Hoje é o inverso: de dez casos, nove são arma de fogo e um, branca.” Um policial acrescenta que os traficantes já evoluíram do revólver calibre 38 para as pistolas ponto 40, as mesmas usadas pela polícia.

“Houve ação intensiva dos governos estaduais e federal no Sudeste e no Sul, e os bandidos migraram para o Nordeste”, observa o ex-capitão da PM Wagner de Sousa, eleito vereador e depois deputado com o maior número de votos da história do Ceará, com campanhas centradas na segurança pública. “A infraestrutura policial é muito precária na região.” O Ceará tem 16 mil policiais militares e 2.500 civis. Para o ex-capitão, seriam necessários, no total, 32 mil.

Efetivo. O novo secretário de Segurança Pública do Ceará, o gaúcho Delci Teixeira, delegado da Polícia Federal, que trabalhava como assessor de Disciplina do ministro da Justiça, reconhece que “essas taxas de criminalidade são um tanto quanto atípicas”, e “trazem uma sensação de insegurança na população”. Ele diz que o efetivo será aumentado: até abril, sairão da Academia cerca de 1.200 policiais, e a Polícia Civil acaba de abrir um concurso para 3.176 vagas em todos os níveis. “Acreditamos que com esses servidores poderemos fazer uma melhor distribuição no Estado.”

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