Um mergulho no desconhecido

A aventura da criação do marco regulatório num país sem referência sobre o tema

Quando o professor Carlos Ari Sundfeld, da PUC de São Paulo, foi convidado pelo governo para trabalhar na formulação da Lei Geral de Telecomunicações, em junho de 1996, ninguém tinha uma idéia muito clara do que nasceria dali. O então ministro das Comunicações, o engenheiro Sérgio Motta, dedicava-se a estudar o assunto da regulação, com o qual nunca tivera grande familiaridade. E Sundfeld, especialista em direito público, debruçou-se sobre o setor de telecomunicações, sobre o qual “nunca tinha ouvido falar”.

À pergunta “por que eu?”, o ministro explicou ao advogado que “as pessoas que entendem de telecomunicações estão viciadas no atual modelo”. Já no primeiro encontro, Motta disse a Sundfeld que precisava de uma agência autônoma. “O resto estava completamente vago.” No governo, lembra o advogado, “não havia muita convicção quanto à independência da Anatel e, no momento de determinar o que a agência faria com sua autonomia, as coisas se complicavam”. No fim, prevaleceu a idéia de Serjão, que, reconhece Sundfeld, “tinha grande capacidade de aprender e de impor suas idéias ao governo”.

O advogado encontrou o ministro trabalhando pessoalmente com os assessores do ministério na preparação do edital de licitação da Banda B da telefonia celular. Não havia referência no País. “O projeto de lei da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) já estava tramitando no Congresso, mas era muito confuso, sem muito cuidado com o próprio setor elétrico”, lembra Sundfeld. “Minha primeira sensação foi a de que não havia percepção clara do governo sobre o projeto”, diz ele. “As coisas estavam vagas na cabeça de gente importante do governo.”

A equipe trabalhou no texto da lei entre junho e dezembro de 1996. Em seguida, Sundfeld passou a acompanhar a tramitação do projeto no Congresso. “Houve necessidade de muita explicação.” A lei foi aprovada em julho de 1997. No segundo semestre daquele ano, o advogado ajudou na edição das primeiras regulamentações que acompanharam a implantação da Anatel.

De início, a Anatel publicou planos gerais de metas. As empresas interessadas deram sugestões. “Não havia órgãos de defesa do consumidor nem partidos políticos habilitados a influir”, lamenta Sundfeld. “O processo no início foi manco: sem jogador, não há jogo.” Ao longo dos anos, entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) “têm tentado se preparar, mas ainda é pouco”, observa o advogado. O próprio Idec reconhece suas dificuldades em participar das audiências públicas da Anatel e da Aneel, por causa das discussões hermeticamente técnicas. “Levamos umas surras”, sorri a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, do Idec.

O maior receio do governo era o de que as inovações fossem questionadas no Judiciário – e, com elas, o próprio processo de privatização. Havia o exemplo da Argentina, cujas agências reguladoras nasceram desmoralizadas, como “gambiarra” do governo no ímpeto da privatização. Só depois o governo argentino percebeu a importância das agências. “No Brasil, foi o oposto”, festeja Sundfeld. “A Anatel foi vista como uma iniciativa séria.” E Sérgio Motta apostava na adesão da sociedade – com exceção dos sindicatos, claro.

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