Lagos, porém, tem muito mais interesse no Mercosul que o rival, que sonha com o Nafta
SANTIAGO – O equilíbrio fiscal e a inserção do Chile nos mercados globais são as linhas-mestras que tornam os programas de governo de Ricardo Lagos e de Joaquín Lavín, ambos economistas, iguais na essência. No detalhe, no entanto, há diferenças de ênfase, quando se fala de crescimento econômico, por exemplo, ou do processo de integração do Chile ao Mercosul – os temas que encabeçam a agenda da política econômica e da política comercial, respectivamente.
Lagos tem muito mais entusiasmo pelo Mercosul do que Lavín. Na expressão de uma fonte diplomática que pediu anonimato, “Lavín é daqueles que pensam que o Chile é uma casa boa num bairro ruim e o Mercosul uma legião de 250 milhões de indigentes”.
O candidato da aliança de centro-direita ainda nutre o antigo sonho chileno de converter-se no quarto membro do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), ao lado de Estados Unidos, Canadá e México. Além disso, prefere investir no Foro de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec), do qual o Chile é membro, do que no Mercosul.
Lagos, ao contrário, “encara o Mercosul como um projeto de integração não só econômica, mas também política”, prosseguiu a fonte.
O líder socialista é considerado mais inclinado ao Mercosul do que o próprio presidente Eduardo Frei, que, durante a reunião de cúpula do bloco, na quarta-feira, em Montevidéu, obteve a elevação do status do Chile. O país, que, como a Bolívia, é membro associado, e não pleno, passou a participar de todas as instâncias políticas do bloco, o que significa que o presidente chileno não terá mais de esperar sentado na ante-sala, enquanto os outros deliberam.
Lagos propõe a criação do que chama de um “corredor bioceânico”, ligação rodoferroviária entre os portos de Santos e de Iquique (norte do Chile). Nesse mesmo sentido, o atual ministro da Defesa, Edmundo Pérez Yoma, tem dito que “o Chile precisa parar de pensar apenas no eixo norte-sul”, para se projetar também horizontalmente, como ponta-de-lança para o Pacífico.
“De todos os convênios que o Chile já subscreveu, sem dúvida o de maior relevância estratégica é o que firmou em 1996 com o Mercosul”, diz a edição de junho da revista Noticias de Chile, publicada pelo governo. A Argentina é o segundo maior parceiro comercial do Chile e o Brasil, o terceiro. O primeiro são os EUA.
No ano passado, o Chile importou US$ 1,092 bilhão do Brasil, o que representa 6,1% de suas importações totais, e exportou US$ 781 milhões, ou 5,3% do conjunto de suas exportações. Com a desvalorização do real, em janeiro deste ano, as exportações chilenas para o Brasil caíram e as importações aumentaram. De janeiro a setembro, o Chile exportou para o Brasil US$ 485 milhões, ou 4,2% de suas vendas totais, e importou US$ 684 milhões, ou 6,3% de suas compras totais.
A desvalorização do real forneceu argumentos às correntes chilenas mais céticas em relação ao Mercosul. “Observando o impacto que a desvalorização do real teve sobre a economia argentina, os chilenos se perguntam: `Será que nós deveríamos meter-nos nisso?'”, descreve uma fonte diplomática. O chamado “efeito caipirinha” afetou a economia chilena direta e indiretamente – via Argentina.
Habituado a índices de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) invejavelmente altos (12,3% em 1992, 10,6% em 1995, 7,4% em 1996 e 7,1% em 1997, caindo para 3,3% em 1998), o Chile deve amargar encolhimento de 1% este ano. O governo é acusado de ter gerido mal a crise, mantendo os juros excessivamente altos. Em 1994, quando Frei assumiu, o desemprego era de 7,8%. Em meados do ano, o índice chegou a 11,5%. Com o reaquecimento da economia, no fim do ano, recuou para 10%.
A recessão e o desemprego prejudicaram Lagos (ver gráficos) e puseram o tema do crescimento econômico no centro do debate. O candidato governista, cujo lema de campanha é “crescimento com igualdade”, salienta que ele deve estar acompanhado de distribuição de renda e “justiça social”. Lavín, classificado como “populista de direita”, acena com programas assistencialistas, mas, fiel ao monetarismo da Escola de Chicago, onde fez mestrado, não faria concessões à meta fundamental do crescimento econômico.
“Lavín aprofundaria o modelo, enquanto Lagos o diluiria um pouco, sem mudar sua essência”, resume o cientista político Emilio Meneses.
“Se o eleitor for coerente com sua aprovação do modelo econômico vigente, vencerá Lavín”, concorda seu colega Guillermo Holzmann. “Se se mantiver preso à tradição de paternalismo, preferirá Lagos.”