Sob insultos, Pinochet assume no Senado

Parlamentares de oposição exibem retratos de Salvador Allende ao plenário

 

VALPARAÍSO – Numa sessão tumultuada, e em meio a violentos protestos do lado de fora, o ex-ditador e agora general da reserva Augusto Pinochet tomou posse ontem como o primeiro senador vitalício da história do Chile. A tensão e a violência que dominaram Santiago na tarde de terça-feira se transferiram ontem para Valparaíso, sede do Congresso, a 105 quilômetros da capital, com confrontos entre manifestantes e carabineros. Enquanto isso, no plenário do Senado, Pinochet, que deixou o cargo de comandante-chefe das Forças Armadas na terça-feira, era insultado por senadores, deputados e gente das galerias.

Pinochet foi um dos primeiros a chegar para a cerimônia, iniciada pouco depois da 10 horas. O ex-ditador entrou por uma porta especial, que o ex-presidente do Senado, o direitista Sergio Romero (da

Renovação Nacional), mandou construir especialmente para ele. A mesa anterior do Senado também parece ter sido generosa para com Pinochet no que se refere aos convites distribuídos. A julgar pelas manifestações de apoio ao general, os pinochetistas estavam em franca maioria nas galerias.

Quando tudo parecia sob controle, no entanto, com carabineros e seguranças espalhados por toda parte no pequeno salão do Senado, deputados e senadores do Partido Socialista e do Partido pela Democracia irromperam de repente no plenário, por uma porta lateral. Traziam cartazes com fotos do

ex-presidente Salvador Allende, derrubado no golpe de 1973, do ex-comandante-chefe, general Carlos Prats, e do ex-chanceler, Orlando Letelier, todas com a legenda “assassinado”; e de desaparecidos, sob o título “Onde estão?”.

O senador Jorge Lavandero, da Democracia Cristã, partido do presidente Eduardo Frei, juntou-se aos esquerdistas durante o protesto e depois se sentou ao lado deles, e não na bancada de seu partido. Lavandero, que liderou o movimento contra o ingresso de Pinochet no Senado, rejeita a posição dos senadores de seu partido, que acataram pedido do presidente de não se envolver nessa resistência contra o ex-ditador.

Na entrada do Congresso, antes da posse dos 50 senadores, Lavandero disse ao Estado que estava “contente”. “Posso garantir que vamos continuar lutando”, afirmou. “O Senado é muito maior que um homem”, prosseguiu Lavandero. “O que ocorre com todos os ditadores militares é que se sentem valentões, com suas armas, seus tanques. Mas chega o dia em que não têm mais seus soldados. E esse dia chegou no Chile.”

O clima no plenário ficou ainda mais tenso quando o senador Jorge Soria (PPD) se aproximou de Pinochet empunhando um dos cartazes. Os senadores direitistas Iván Moreira e Sergio Correa, da União Democrática Independente, interpuseram-se, formando uma barreira para proteger o 

ex-ditador. Correa deu um sopapo no rosto de Soria. Os outros senadores separaram os dois.

Os senadores envolvidos no protesto colocaram os cartazes sobre suas mesas. Finalmente, o então presidente do Senado, Sergio Romero, mandou tirar os cartazes do plenário e a sessão pôde começar. Em seguida, o senador Carlos Ominami (PS) passou a questionar o direito de Pinochet de assumir o cargo. Romero retorquiu que isso não era assunto para a sessão inaugural e começou a ler o juramento de posse, por sobre os gritos de Ominami: “Presidente, defenda a integridade do Senado!”

O cargo de senador vitalício está reservado, na Constituição que o próprio Pinochet promulgou, em 1980, para quem tenha exercido a presidência da república por mais de seis anos. Essa é a duração do mandato para os presidentes eleitos a partir do atual, Eduardo Frei. Há, no Chile, o debate em torno de uma reforma política, que poria fim ao cargo vitalício no Senado, assim como aos nove designados, ou biônicos: dois ex-ministros da Corte Suprema, um ex-ministro de Estado, um ex-reitor de universidade estatal, os ex-comandantes das três Forças Armadas e dos Carabineros e um ex-controlador da República. Oito deles, advindos do regime militar, são leais a Pinochet.

Os tumultos continuaram. Numa das vezes em que Pinochet teve de se levantar para votar – houve várias votações para escolher novo presidente e vice –, um homem de cerca de 30 anos gritou “assassino”. Foi imediatamente retirado pelos seguranças e carabineros. Mais tarde, no saguão do Congresso, onde aguardava com duas carabineras, ele disse ao Estado que se recusava a dar declarações à imprensa.

As manifestações hostis a Pinochet foram reprimidas com vaias e sons de “chiiii” das galerias. Já o novo senador Pinochet mostrava-se inteiramente alheio. Não pronunciou nem uma palavra sequer durante toda a cerimônia. Na saída, disse apenas: “Estou conhecendo. Não conhecia aqui. Volto na próxima semana.”

Embora a direita tenha maioria no Senado, contando com os biônicos, foi eleito presidente o senador Andrés Zaldívar, da Democracia Cristã, por 28 votos a favor, 21 contra e 1 abstenção. A coalizão a que pertence a DC tem apenas 20 cadeiras. Mas os dois grandes partidos de direita, a UDI (nove senadores) e a RN (sete), não conseguiram chegar a um nome de consenso. Além disso, Zaldívar teria se comprometido a tentar evitar constrangimentos para Pinochet no Senado.

 

Na saída da cerimônia de posse, o novo presidente do Senado garantiu que todos terão “tratamento igual, de pares”. Indagado como se sentia sentando-se ao lado de Pinochet, Zaldívar, exilado em 1981, por não aceitar a Constituição promulgada por Pinochet, pontificou: “Na democracia, é preciso respeitar o direito de todos, mesmo dos que não nos respeitam.” E avaliou: “Estamos completando uma nova etapa da transição. Alguns acham que deveria ser mais rápida, mas tem sido como as condições permitem.”

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