A opinião é do general Álvaro Tovar, ex-comandante do Exército, que combateu a guerrilha toda a vida, e costuma ser ouvido pelo presidente Uribe
BOGOTÁ
Ele conhece como ninguém o Exército colombiano, que comandou entre 1974 e 1975, mas também a guerrilha, que combateu a vida toda. O general Álvaro Valencia Tovar, 85 anos, pioneiro do setor de inteligência do Exército colombiano, autor da monumental História das Forças Militares da Colômbia, em seis volumes, segue sendo um dos homens mais bem informados e o analista militar mais prestigiado do país.
Nesta entrevista ao Estado, Tovar desenha o mapa do conflito armado na Colômbia, elogia os acertos do presidente Álvaro Uribe no combate à guerrilha, mas critica também o seu estilo e erros cometidos. Para o general, que envia regularmente sugestões ao presidente, não é hora de começar a negociar com a guerrilha. Antes, é preciso “asfixiá-la” nas zonas de fronteira com Equador, Panamá e Venezuela, onde ela encontra abastecimento, abrigo quando acossada pelo Exército e escoamento para a produção de drogas, que a financia.
General, na última vez que conversamos, há quatro anos, o senhor estava extremamente preocupado.
Isso foi no final do mandato de Andrés Pastrana. O desenlace daquele governo era previsível. Era impossível um projeto tão mal montado como aquele dar resultado. Era algo puramente eleitoral. Quando foi candidato, em 1998, as pesquisas indicavam que havia 10 milhões de votos a favor de uma paz negociada. Então Pastrana se lançou às negociações com as Farc oferecendo-lhes o que elas quisessem, sem exigir nada em troca. Criou a zona desmilitarizada, um Estado quase autônomo dominado pela guerrilha, que não permitia nem que passassem aviões por cima. Pastrana se entregou completamente. O resultado foi uma onda de terrorismo como nunca se tinha visto antes.
E como o senhor se sente agora?
O presidente Álvaro Uribe acertou em muitas coisas. Ele demonstrou ser o homem certo para lidar com as Farc: firme, categórico. Uribe reúne os três elementos que compõem o poder nacional: Exército, povo e governo. Muito depressa apareceram os resultados. Uribe motivou a população civil, criando os cooperantes, que dão informação ao governo sobre as atividades da insurgência. Em um espaço de tempo muito curto, foram resgatadas regiões inteiras, a começar por Cundinamarca (o Departamento onde se situa a capital). Bogotá estava cercada. Então veio o seqüestro espetacular do bispo Jorge Enrique Jiménez (em novembro de 2002). Na operação de resgate, impôs-se uma baixa de seis chefes de colunas. Seria o equivalente, no Exército, a seis batalhões. Na verdade, é mais que isso, porque as Farc têm menos colunas do que o Exército tem batalhões. Foi uma perda muito grande para eles. Havia 20 anos que eles vinham montando o cerco a Bogotá, organizando milícias na capital. Sua intenção era, quando aparecesse uma oportunidade, provocar uma explosão de violência em Bogotá, como a que ocorreu em 1958 (quando morreram 200 mil pessoas em uma semana). Era uma situação gravíssima. Só o governo não queria enxergar. Pois bem. O Exército foi tendo êxito em cima de êxito, e ganhando apoio da população, o que é muito importante.
Houve aumento no orçamento militar?
Sem dúvida. O presidente criou um imposto sobre fortunas, cobrado apenas uma vez, e a receita foi toda destinada às Forças Armadas. O Exército criou novas forças especiais e os batalhões de montanha. Melhorou enormemente a capacidade da Marinha e da Força Aérea. Além disso, Uribe obteve a compreensão não só dos Estados Unidos, mas também da União Européia, que até então via na guerrilha um grupo de combatentes lutando para melhorar a vida do povo. A UE não sabia que os guerrilheiros se haviam convertido em narcotraficantes e terroristas. O ponto de inflexão foi quando uma organização não-governamental dinamarquesa resolveu doar US$ 16 mil às Farc. Não era pelo dinheiro, mas pelo valor político. Uribe convenceu o governo dinamarquês a impedir que a doação se concretizasse. As Farc tinham escritórios no México, na Espanha, na Inglaterra, na Alemanha. Foram todos fechados. Também havia receios nos EUA de que a política de segurança democrática de Uribe fosse um ressurgimento da doutrina de segurança nacional praticada pelas ditaduras do Cone Sul (nos anos 60 e 70).
E na área de inteligência?
Também se melhorou muito a capacidade de informação. O atentado do Clube Naval, logo no começo do governo Uribe, foi o último desse tipo. De lá para cá, não conseguiram fazer mais nada.
E como estão as Farc hoje?
As Farc tiveram duas formas de proceder diante da ofensiva militar. Em primeiro lugar, retiraram seus comandantes e combatentes de elite para a selva. Nesse ponto, o governo cometeu um tremendo erro: anunciar que o seu objetivo prioritário era a cúpula das Farc. Um erro em dois sentidos. Primeiro, porque a recuperação de território, que estava sendo feita, também era muito importante. Segundo, porque, ao avisar o inimigo de suas intenções, não pôde cumprir esse objetivo. A ofensiva militar desalojou as Farc do triângulo formado por Meta, Guaviare e Vichada (ver mapa). A segunda linha de conduta das Farc é muito perigosa. Ela lhes assegura capacidade de defesa por muito tempo. A guerrilha se concentrou em quatro áreas de fronteira, que são sempre áreas complicadas, porque para o Exército colombiano entrar é preciso pedir permissão: Sul de Nariño e de Putumayo, na fronteira com o Equador, onde a guerrilha se abastece e tira a droga do país; margem oeste do Golfo de Urubá, na fronteira com o Panamá, onde compra armas e vende drogas; no Rio Catatumbo e no Arauca, na fronteira com a Venezuela, onde tem a bênção do presidente Hugo Chávez. Sempre que os guerrilheiros são acossados pelo Exército colombiano, a Guarda Nacional os deixa entrar. Dessas áreas depende a existência das Farc. Se o Exército controlá-las, asfixia a guerrilha, que com seus cerca de 10 mil homens terá severos problemas de abastecimento. Se isso não for feito, a guerra se arrastará indefinidamente. Se for, a guerrilha até poderá sobreviver muito bem na Floresta Amazônica (ao sul). Mas, para quê? Portanto, esse tem sido o meu conselho ao presidente.
A situação está madura para uma negociação?
Não. É preciso haver ainda mais progressos militares. As Farc ainda se sentem fortes. Não querem negociar. O narcotráfico representa uma fortuna. Eles não perdem certas esperanças de tentar tomar povoados para ir ampliando sua ação revolucionária. Quando forem recuperadas aquelas áreas estratégicas, aí será a hora de negociar. Isso só termina com negociações. Não há solução militar para esse conflito.
O estilo de Uribe, de mandar os generais para a reserva, quando ocorre algum problema, incomoda os militares?
Incomoda. Ele destituiu muitos generais antes de averiguar o que realmente tinha acontecido. O general Reynaldo Castellanos (ex-comandante do Exército), que resgatou Cundinamarca, foi destituído (em fevereiro) por causa de abusos cometidos contra recrutas num batalhão. Como pode o comandante do Exército estar a par de uma coisa dessas? Isso fere. Mas o presidente tem muito prestígio nas Forças Armadas. O moral está em alto.
O que o senhor acha que aconteceu no incidente em que soldados do Exército mataram dez policiais e um informante, no Departamento do Valle, na segunda-feira?
Acho que foi falta de informação. Uma operação secreta da polícia na zona rural tem de ser de conhecimento do Exército, que patrulha a área. É preciso entender que a reação dos soldados é instantânea quando vê elementos armados, porque eles estão esperando uma emboscada da guerrilha. Mas as investigações vão esclarecer o que se passou.