A história de Pulián, que passou pelos principais grupos armados em Medellín, antes de se desmobilizar
MEDELLÍN
O Centro Comunitário de Moravia reproduz a arquitetura da favela: um sobrado improvisado, com paredes de tijolo furado erguidas conforme o dinheiro vai entrando, a escada desajeitada dando acesso ao piso de cima, assentado sobre a laje que antes serviu de teto do andar térreo. Um cenário muito parecido às favelas brasileiras, que em Medellín se chamam comunas.
No salão de cima, a psicóloga Norma Berrio, do Programa Reconciliação e Paz da prefeitura, conduz uma oficina sobre solução pacífica de conflitos. Os oito ex-combatentes, todos remanescentes do grupo paramilitar Bloco Cacique Nativara, foram enredados uns aos outros com cordões nos pulsos. Sua tarefa é sair desse enrosco de maneira negociada.
“O que vocês sentiram?”, pergunta depois a psicóloga, vinculando a singela brincadeira com conflitos reais que esses homens viveram. “Desespero, vontade de sair dessa armadilha, pensei que fosse impossível”, respondem. E o que foi necessário para resolver a situação?, insiste Norma. “União, inteligência, pensar, diálogo”.
Terminada a oficina, um deles conta sua história ao repórter do Estado. Pulián – esse é seu nome de guerra – tem 28 anos. Ele já passou por todos os grupos armados. Aos 15 anos, entrou para a milícia, a versão urbana da guerrilha – no caso, do Exército de Libertação Nacional (ELN).
Aos 17, ingressou num “combo” – gangues que loteiam as quadras das favelas, cometem assaltos e roubos no centro e nos bairros bons, e se matam entre si na disputa territorial. Seu combo tinha de 35 a 40 membros. “Não conseguia arrumar emprego”, justifica-se Pulián, que estudou até a quarta série fundamental. “No combo, eu ganhava dinheiro, podia comprar coisas para mim.”
Aos 19 anos, mudou de lado de novo, depois de um convite de um líder do grupo paramilitar Bloco Metrô. O grupo vendia proteção a comerciantes e atuava como esquadrão da morte nas favelas, contra as milícias e os combos. “Havia mais disciplina, mais organização. Tinha que patrulhar, controlar o território, cuidar da população civil, protegê-la dos ladrões”, recorda Pulián. Suas armas iam de pistolas automáticas a fuzis AK-47. “Tive que lutar contra o pessoal do combo. Não sei quantos matei. Houve muitos desatinos. Todos tinham que fazer isso.”
O Metrô foi depois absorvido pelo Bloco Cacique Nativara, também das Autodefesas Unidas da Colômbia, o nome oficial da organização paramilitar. O bloco, que pagava um soldo de cerca de 500 mil pesos (R$ 500), tinha 865 homens. Foi o primeiro a aceitar a desmobilização, em novembro de 2003.
Pouco antes, no dia 30 de outubro daquele ano, seu pai foi arrancado de sua casa, num povoado no leste de Antioquia (o Departamento onde fica Medellín) e morto pela guerrilha.
“Eu me desmobilizei por decisão do grupo, e por minha mesmo”, explica Pulián, que tem dois filhos, de sete e de três anos, e sua companheira está grávida do terceiro. “Estava vendo meus companheiros morrerem. A guerra não leva a nada de bom.” Pulián sustenta a família com a bolsa de 600 mil pesos (R$ 600), está terminando o ensino fundamental e quer fazer o médio. Depois, pretende trabalhar. Seu plano: “Quero ter uma microempresa de estampas de camisetas, algo assim.”