Fatia de mercado da guerrilha, que antes era de 60%, aumentou com a desmobilização dos paramilitares
BOGOTÁ – Antes da desmobilização dos paramilitares, grupos criados para combater a guerrilha e que acabaram praticando os mesmos crimes, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ficavam com 60% da receita da cocaína colombiana. Com a saída de cena de 30 mil paramilitares – só restam mil -, a partir de 2003, a participação das Farc aumentou para 70%.
Isso, num contexto em que o potencial de produção de cocaína no país (calculado em função das áreas de cultivo de coca) se mantém mais ou menos estável: foi de 440 toneladas em 2003, caiu para 390 em 2004 e estima-se que tenha ficado entre 420 e 450 em 2005.
Os mapas dos cultivos de coca e da presença das Farc se sobrepõem. A dura ofensiva militar contra a guerrilha, durante o governo de Álvaro Uribe (a partir de agosto de 2002), obrigou-a a retirar-se para as zonas de fronteira, onde encontra escoamento para a droga. Portanto, como efeito colateral da ofensiva e da desmobilização dos paramilitares, mais dinheiro da droga está entrando nos cofres das Farc.
O cenário, baseado em dados inéditos até agora, é traçado por Carlos Medina Ramírez, subdiretor de Estratégia e Investigações da Direção Nacional de Entorpecentes, subordinada ao Ministério do Interior e da Justiça da Colômbia. Em entrevista ao Estado, em seu escritório num edifício discreto, sem nenhuma placa, na região norte de Bogotá, onde está concentrada toda a inteligência sobre as atividades do narcotráfico na Colômbia, Medina, advogado de 33 anos, afirma que a ação de repressão do governo impediu a comercialização de US$ 48 bilhões em cocaína no ano passado.
O ex-candidato liberal à presidência, Horacio Serpa, disse que a política antidrogas do governo Uribe não está funcionando, porque a Colômbia continua exportando 600 toneladas de cocaína ao ano. Como o sr. responde a essa crítica?
Efetivamente, a Colômbia continua sendo o maior exportador de cocaína do mundo. O Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) vai tornar pública, dia 20, a medição das áreas de cultivo de coca em 2005. Acreditamos que essas áreas aumentaram cerca de 5 mil hectares em relação a 2004, quando havia 80 mil hectares. Isso porque, apesar das fumigações e da erradicação manual que fazemos, há ainda áreas importantes de replantio.
O glifosato (usado nas fumigações) não torna o sólo infértil?
Não. Ao contrário do que dizem os críticos, o glifosato não anula a fertilidade do sólo. O único estudo científico sobre o impacto do glifosato sobre os humanos e o meio ambiente foi feito por cientistas britânicos, mexicanos e canadenses, para a Comissão Interamericana de Drogas. A conclusão foi a de que o glifosato é um herbicida biodegradável, que se decompõe e não causa danos nem ao homem nem ao meio ambiente nem à terra.
Quantas pessoas estão envolvidas nos cultivos de coca?
Entre 50 mil e 55 mil agricultores, segundo estudos de rendimento feitos com metodologia aceita mundialmente, aliados a pesquisas com os produtores.
Por que não se tem podido diminuir a produção de cocaína?
No ano passado, a produção potencial de cocaína ficou entre 420 e 450 toneladas, mas há um processo de interdição que reduz bastante as exportações. A polícia tem flagrado muitos carregamentos que estavam saindo da Colômbia. Para eliminar definitivamente 6 mil hectares de cultivo de coca, tivemos de fumigar 130 mil hectares e erradicar manualmente outros 35 mil, no ano passado. A erradicação por fumigação tem uma eficácia de 80%: é a porcentagem das plantas que morrem. E a manual, de 100%. Então, 135 mil hectares foram efetivamente mortos. Agora, se você pensar no potencial de produção dessa área de cultivo, que são 800 toneladas de cocaína,chega a cifras absurdas. Multiplique isso por US$ 25 milhões, que é o valor que os narcotraficantes aqui na Colômbia vendem a tonelada de cocaína: são US$ 20 bilhões que deixaram de entrar nos cofres do narcotráfico. Agora, multiplique 800 por US$ 60 milhões, que é o preço que a tonelada da cocaína alcança no exterior: são US$ 48 bilhões. É muito fácil dizer que estamos perdendo a guerra contra o narcotráfico, olhando só para o que falta fazer. É preciso olhar também para o que tem sido feito.
O que representa a droga apreendida para o total produzido?
A Colômbia é o país que mais produz e que mais apreende. No ano passado, apreendemos 170 toneladas de cocaína, o que representa 31% do que a Colômbia pode produzir.
A ofensiva militar contra as Farc e a sua retirada de extensas faixas territoriais tiveram impacto sobre o narcotráfico?
Não. Se você olhar para os mapas da presença das Farc e da produção de drogas na Colômbia, verá que eles se têm sobreposto, desde 1998. Onde houve mais operações do Estado contra as Farc, os cultivos se deslocaram. Para onde as Farc foram, foram os cultivos. Por exemplo, em Putumayo e Caquetá, os cultivos diminuíram. Em Nariño, na fronteira com o Equador, onde há controle das Farc, eles dispararam (ver mapa) . As Farc continuam participando diretamente de todas as fases do negócio. Eles dizem que só custodiam os cultivos e os laboratórios. Isso é mentira. Eles plantam, fabricam, transportam e distribuem.
As Farc recuaram para zonas de fronteira com Equador, Panamá e Venezuela. Aumentaram a produção e o tráfico nessas áreas?
A produção aumentou nas fronteiras com o Equador e com a Venezuela. E não só do lado colombiano, mas também nos territórios desses dois países. O Equador é um ponto de saída de drogas, que daí escoam para o mar, através do Peru. Na fronteira com o Panamá, há uma região chamada de Tapón del Darren que é uma selva muito difícil de penetrar. Pode ser que ali não se encontrem cultivos. Mas ao noroeste da Antioquia, aumentaram os cultivos do lado do Panamá. No Chocó, também. As Farc estão nas fronteiras, e vão arrastando a produção de drogas, porque esse é o seu negócio.
E como está a fronteira com o Brasil?
É um ponto de saída de narcóticos e de entrada de insumos químicos para os laboratórios de processamento de coca. Além da fronteira seca, há os rios, pelos quais circulam os insumos e as drogas. A partir de 1999, o Estado colombiano tem Estado muito presente na fronteira, e tem percebido uma atitude de cooperação das autoridades brasileiras, não só com relação às drogas mas também ao terrorismo. Isso não se alterou com a mudança de governo no Brasil. A relação tem sido muito boa.
A desmobilização dos paramilitares, que também estavam envolvidos com o narcotráfico, teve impacto sobre a produção?
Muitos paramilitares estão se dedicando agora à erradicação manual nos territórios que eles antes controlavam. Mas a guerrilha vai tentar ocupar os territórios abandonados por eles. Segundo análises que fizemos, 60% da produção de cocaína ia para os cofres das Farc antes da desmobilização dos paramilitares. Depois, esse porcentual saltou para 70%, em razão do controle territorial que conquistaram. Com a desmobilização, as Farc estão ficando sós com o negócio do narcotráfico, e sua participação só tende a crescer.