Enfraquecida, guerrilha pode tentar golpe de impacto para mostrar que está viva, mas condições são desfavoráveis
BOGOTÁ – É cedo para decretar o fim do conflito armado na Colômbia, depois do resgate de 15 reféns em poder da guerrilha, incluindo a ex-senadora Ingrid Betancourt e três americanos que trabalhavam para o Departamento de Defesa dos EUA. Até porque a reação mais previsível das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) será tentar uma ação militar contundente, para provar que estão vivas. Mas o resgate de quarta-feira atinge as Farc em seus pontos mais sensíveis, que explicam a sua longevidade de 44 anos: o espírito de corpo, o moral da tropa e a coesão dos comandantes.
A Frente Primeira, com cerca de mil homens comandados por Gerardo Aguilar, codinome César, era uma das mais fortes das Farc. Ela tinha saído, até aqui, praticamente incólume da ofensiva militar conduzida há seis anos pelo presidente Álvaro Uribe. “Era a frente mais importante e mais emblemática”, classifica Ariel Ávila, coordenador do Observatório do Conflito Armado. Ávila não acredita nas versões de que César tenha recebido dinheiro para entregar os reféns: “Ele é muito sectário e dogmático. Não creio que se teria prestado a uma situação tão humilhante.” Se houve traição, diz Ávila, pode ter sido num nível mais alto – o que é ainda mais desconcertante para as Farc.
O chefe militar das Farc, Victor Julio Suárez Rojas, conhecido como Mono Jojoy, havia se queixado a César, seu subordinado direto, de que a manutenção dos reféns se tornara um fardo muito pesado para carregar, revelou ao Estado o coronel da reserva Carlos Velásquez, que foi da inteligência do Exército. Enfermo, Mono Jojoy enfrenta intensos combates com o Exército colombiano no sul do Departamento de Meta (centro do país). Velásquez supõe que isso tenha contribuído para César acreditar na mensagem com a voz – simulada pela inteligência do Exército – do comandante das Farc, Alfonso Cano, ordenando o deslocamento dos reféns para seu acampamento.
Em todo caso, a artimanha dos militares colombianos só surtiu efeito em meio à precariedade das comunicações entre os comandantes e o chamado “mando médio” das Farc. Os contatos têm sido evitados sobretudo depois do ataque que matou em março o número 2 das Farc, Raúl Reyes, em seu acampamento no Equador – possibilitado pelo sensoriamento e interceptação de sinais eletrônicos. Uma das conseqüências de mais esse golpe, prevê Ávila, é uma possível descentralização das decisões. “Isso pode ser prático no curto prazo, mas, com o tempo, vai causar problemas, com tantas atividades envolvendo altas somas de dinheiro do narcotráfico.”
O diretor da Fundação Segurança e Democracia, Alfredo Rangel, calcula que a receita das drogas represente, hoje, 80% do orçamento das Farc. Quando Uribe assumiu, em 2002, eram cerca de 60%. O aumento reflete a dificuldade de seqüestrar e extorquir – as outras fontes de receita da guerrilha. Os movimentos das Farc estão a cada dia mais restringidos pelas operações militares. Estudo do Observatório do Conflito Armado, que será divulgado em breve, mostra que as Farc abandonaram as grandes operações de tomada de municípios e ataques a quartéis, que envolviam até 500 guerrilheiros, e resultavam na captura de dezenas de policiais e militares e uma centena de baixas. Em 2001, as Farc tomaram 93 sedes de municípios; em 2007, uma. Em lugar disso, o grupo criou “unidades táticas de combate”, cada uma com dez homens, que empregam minas e atuam como franco-atiradores. De 18.900 homens em 2002, o efetivo das Farc caiu para cerca de 10 mil, estima Ávila. Cerca de 3 mil foram mortos, mil feridos e os restantes desertaram.
Os três especialistas negam que houvesse, antes do resgate, divisões no interior do “Secretariado” das Farc. Segundo Ávila, “Cano tinha conseguido garantir a coesão” depois da morte, anunciada em maio, de Pedro Antonio Marín, codinome Tirofijo, líder máximo da guerrilha. “Agora, isso pode mudar.” A debilitação das Farc “se presta para que haja fraturas no mando médio”, analisa Velásquez. “O resgate é um golpe moral muito forte na guerrilha, que vai afetar a vontade de luta, causar muita desconfiança interna e mais deserções dos mandos médios e das tropas”, completa Rangel. “Não descartaria a possibilidade um membro da cúpula também desertar.”
“Cano não vai querer negociar agora com o governo, sabendo que está numa posição de fraqueza”, diz Velásquez. “Eles precisam de um golpe de muito impacto.” O problema, para as Farc, é como conseguir isso.