Ficando oito anos no poder, Uribe terá forte influência sobre a Corte Constitucional, a Procuradoria, a Controladoria e o Banco Central
BOGOTÁ
A reeleição de Álvaro Uribe desperta preocupações quanto ao sistema de contrapesos da democracia colombiana. Ao permanecer oito anos no poder, Uribe será capaz de governar com a maioria da Corte Constitucional por ele escolhida, assim como os chefes da Procuradoria-Geral da República, da Controladoria e do Banco Central, tradicionalmente independentes em relação ao Executivo, graças a um calendário de nomeações e duração no cargo que não coincidem com os mandatos presidenciais.
Além disso, Uribe, hoje com apenas 53 anos de idade, que ele sequer aparenta, tem sido evasivo em relação a uma pergunta lhe tem sido feita freqüentemente: “O senhor vai tentar reformar a Constituição de novo para obter um terceiro mandato?” Uribe não tem descartado essa possibilidade.
A inabalável popularidade de Uribe e seu visível apego ao poder têm suscitado um insólito paralelo com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com quem Uribe sempre viveu às turras, por causa de sua manifesta simpatia pelos guerrilheiros colombianos.
Na quarta-feira, Chávez, que vai tentar o terceiro mandato em dezembro deste ano, fez um inédito elogio em público, ao prognosticar a reeleição do presidente colombiano: “Eu respeito o presidente Uribe, e sempre digo que é um homem de coragem”, disse ele, para argumentar que, se o povo de um país assim deseja, não há por que não reeleger um presidente indefinidamente.
A democracia colombiana é um caso único na América do Sul. Ao longo de todo o século 20, com uma regularidade notável, o país trocou de presidente a cada quatro anos, apesar da violência política que marca a sua história e do conflito armado de seis décadas. A reeleição de Álvaro Uribe rompe com essa tradição de alternância na Casa de Nariño, o palácio presidencial.
Foi um processo longo, com idas e vindas, que tomou praticamente todo o primeiro mandato de Uribe. Em outubro de 2003, o presidente promoveu um referendo sobre a possibilidade de reeleição. Foi derrotado. Mas não desistiu. Usufruindo de folgada maioria no Congresso, Uribe obteve, em novembro de 2004, a aprovação de uma reforma constitucional, introduzindo a reeleição. A reforma foi contestada por 18 ações na Corte Constitucional, que no entanto confirmou sua validade em outubro de 2005, abrindo caminho para a nova candidatura presidencial.
Integrante da elite colombiana, mas capaz de falar a linguagem do povo mais humilde, Uribe reúne atributos que não costumam vir juntos, como um sólido preparo intelectual e uma coragem física admirável. Os colombianos comuns não se esquecem de sua atitude logo depois do atentado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) de que foi alvo em abril de 2002, em Barranquilla (norte do país), durante sua primeira campanha a presidente.
Os explosivos colocados num ônibus na estrada por onde passava sua comitiva danificaram seriamente a caminhonete blindada onde o candidato viajava, matando quatro pessoas e ferindo 20. Uribe saiu da caminhonete dizendo que estava bem e que era preciso preocupar-se não com ele, mas com os seus auxiliares e agentes de segurança. Poucos minutos depois do atentado, Uribe, cujo pai foi morto pelas Farc em sua fazenda em 1983, falou aos jornalistas, aparentando enorme tranqüilidade: “A Colômbia necessita de governos com autoridade que freiem os violentos. Isso acontece diariamente aos colombianos.”
Nascido no dia 4 de julho de 1952, em Medellín, Uribe se formou em direito na Universidade da Antioquia, e se especializou em administração de empresas na Universidade de Harvard. Entre 1998 e 1999, foi professor-associado na Universidade de Oxford.
Workaholic, Uribe acorda todos os dias às 5 da manhã, faz uma hora de exercício e se dedica aos assuntos de sua fazenda. Depois lê as notícias e se inteira dos assuntos do dia com seus assessores. Às 9h, começa a despachar, faz uma pausa ao meio-dia para praticar ioga e termina sua jornada de trabalho às 22h. Nos fins de semana, vai ao interior com seus ministros, participar de conselhos comunitários, em que ouve a população sobre os seus problemas.
Avesso a polêmicas – ele foi muito criticado por se recusar a participar de debates -, sua carreira política se caracteriza por cargos no Executivo. Começou aos 24 anos, como chefe de patrimônio das empresas públicas de Medellín. Depois foi secretário-geral do Ministério do Trabalho e diretor da Aeronáutica Civil. Em 1982, elegeu-se prefeito de Medellín e, em 1995, governador da Antioquia.
Nesse período, teve a iniciativa mais polêmica de sua carreira: incentivou a criação das cooperativas Conviver, grupos de segurança privada custeados por empresários e fazendeiros para conter os seqüestros e extorsões protagonizados pela guerrilha, que deram origem aos paramilitares. Como presidente, Uribe aprovou a Lei de Justiça e Paz, que desmobilizou e está reinserindo na sociedade 40 mil ex-combatentes, dos quais dois terços são paramilitares.
O presidente é acusado de ter negociado a lei e de tê-la moldado segundo os interesses dos paramilitares, que assim não terão de prestar contas das atrocidades cometidas. No dia 18, a Corte Constitucional rejeitou dispositivos da lei que permitiriam a impunidade dos ex-combatentes, reafirmando que eles terão de ser julgados por seus crimes. Uribe garante que a lei também é para os guerrilheiros, e se declara disposto a negociar com eles, oferecendo-lhes um território desmilitarizado para realizar o diálogo.
O primeiro mandato de Uribe foi inaugurado com um atentado das Farc perto do palácio, que deixou 14 mortos, enquanto ele era empossado, em agosto de 2002. E termina, depois de uma guerra sem tréguas, com a decisão do comando das Farc de, pela primeira vez em décadas, não ordenar a sabotagem das eleições. Há a possibilidade de um processo de negociações, neste segundo mandato de Uribe. Mas as chances de se chegar a um acordo são maiores com o Exército de Libertação Nacional, um grupo guerrilheiro menor, do que com as Farc, que têm 10 mil homens concentrados nas fronteiras com Venezuela, Equador e Panamá