O embaixador Sérgio Florencio chegou a ser chamado, supostamente para pegar o salvo-conduto para Gutiérrez, mas manifestantes não o deixaram sair da residência
QUITO – A embaixada do Brasil em Quito continuava ontem em compasso de espera. O embaixador Sérgio Florencio chegou a ser chamado, no fim da noite de sexta-feira, pela chancelaria equatoriana, supostamente para receber o documento de salvo-conduto que permitiria ao presidente destituído Lucio Gutiérrez embarcar para o asilo político no Brasil. Mas os manifestantes na porta da residência do embaixador impediram a saída. O carro andou três metros, parou e deu marcha à ré.
Ontem cedo, não havia ninguém para impedir a saída do embaixador, onde Gutiérrez está refugiado desde sua destituição pelo Congresso, na tarde de quarta-feira. Mas faltava um novo contato da chancelaria. O chanceler Antonio Parra Gil reconheceu que o Equador estava obrigado a conceder o salvo-conduto, segundo as normas da Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, de 1954. Mas alegou que o governo tinha o direito de estudar as condições do asilo de Gutiérrez, antes de emitir o salvo-conduto.
Segundo fontes diplomáticas, o governo equatoriano estaria levando em consideração dois aspectos: o ambiente político, contagiado pela indignação de muitos equatorianos com a eventual impunidade de Gutiérrez, contra quem foi aberta uma ação penal de responsabilidade pela procuradora-geral interina, Cecilia Armas, por causa da repressão aos protestos, que deixou dois mortos; e as condições de segurança para o transporte do ex-presidente até o aeroporto de Quito, onde embarcaria no Sucatinha, um dos antigos aviões presidenciais da Força Aérea Brasileira.
Fontes do governo informaram na sexta-feira que o presidente Alfredo Palacio estaria aguardando também o resultado da reunião extraordinária da Organização dos Estados Americanos, em Washington, convocada para discutir a situação do Equador. A reunião foi para lá de inconclusiva. Assim como os Estados Unidos, a Espanha e os outros países, a OEA não reconheceu formalmente o governo do presidente Alfredo Palacio, vice de Gutiérrez, empossado depois que o Congresso declarou “abandono de cargo”. Depois de seis horas de reunião, os embaixadores da OEA decidiram enviar uma missão ao Equador para examinar as condições nas quais se deu a destituição de Gutiérrez.
De dentro da residência do embaixador, rompendo a norma do asilo diplomático de não dar declarações políticas, Gutiérrez disse na sexta-feira pelo telefone a partidários que não abandonou o cargo e que sua destituição foi “inconstitucional”. O imbroglio lembra o caso do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que desmentiu que tivesse renunciado e reassumiu o cargo depois de ser resgatado no Forte Tiuna, onde ficara incomunicável durante dois dias, refém de golpistas, em abril de 2002. Na época, o Departamento de Estado americano se apressou a reconhecer o novo presidente Pedro Carmona, tendo, depois, de voltar atrás. Ninguém quer repetir esse constrangimento.
A Constituição equatoriana foi deixada de lado desde dezembro, quando, seguindo instruções de Gutiérrez, o Congresso substituiu 27 dos 31 juízes da Corte Suprema, abrindo caminho para a absolvição de dois ex-presidentes, Abdalá Bucaram e Gustavo Noboa, e de um ex-vice, Alberto Dahik, acusados de corrupção, permitindo seus retornos ao país. No início deste mês, ela voltou a ser ignorada, quando Gutiérrez dissolveu a Corte. Além do mais, a destituição de Gutiérrez, um ex-coronel que liderou o golpe de janeiro de 2000 contra o presidente Jamil Mahuad, tendo ficado por isso vários meses numa prisão militar, tem precedente no impeachment de Bucaram, conhecido como El Loco, por “incapacidade mental”, em 1997.