Equador luta para se adaptar à dolarização

Medida, que entrou em vigor há um ano, não melhorou a vida da população

 

QUITO — Para quem chega, o primeiro indício de que algo diferente se passa no Equador já surge no aeroporto Marechal Sucre. Os guichês de câmbio, antes concorridos, estão abandonados. Há um ano, quem se aventurava a trocar US$ 100 saía com calhamaços de notas de sucres, impossíveis de acomodar nos bolsos.

Em janeiro de 2000, o então presidente Jamil Mahuad decretou a dolarização total da economia, dando início a um experimento inédito. Até então, apenas o Panamá, que já nasceu dolarizado, e uma vintena de pequenos territórios e paraísos fiscais tinham o dólar como principal moeda. O Equador foi o primeiro país a adotá-lo como moeda oficial — e como bote de salva-vidas.

A medida extrema estancou a vertiginosa alta do dólar em relação ao sucre —de 300% nos 12 meses anteriores —, ao fixar sua cotação em 25 mil sucres por dólar, enquanto a população troca suas notas e moedas pelas americanas, até o dia 9 de março deste ano. Mas há um custo.

Destituído da máquina de fabricar dinheiro, o governo teve de eliminar os subsídios aos serviços públicos. As tarifas dispararam e puxaram a inflação, que fechou o ano em 97% — em dólares. Os salários de muitos setores acompanharam a inflação — o mínimo saltou de US$ 50 para US$ 130 —, mas o índice esconde o efeito corrosivo da alta dos serviços públicos sobre o poder aquisitivo.

Há um ano, Mario Aguirre e sua mulher, Marianita Ronquillo, que têm uma pequena farmácia em Quito, vendiam, em dólares, exatamente o que vendem hoje: US$ 200 por dia. Mas o aluguel subiu de US$ 40 para US$ 100 e a eletricidade, de US$ 5 para US$ 12. Em termos reais, as vendas caíram pela metade. As pessoas não têm dinheiro para comprar remédios, diz Aguirre. “A dolarização o que fez foi camuflar o custo de vida: acham que estão gastando pouco porque estão pagando em centavos.”

A cantora lírica Patricia Guzmán, com o marido e um bebê, pagava US$ 3,15 de conta de luz há um ano. Hoje, para o mesmo consumo, a conta é de US$ 30. Mas o maior susto que teve foi com o telefone. No fim do ano, veio uma conta de US$ 56. Por causa dos feriados, deixou para pagar na primeira segunda-feira de janeiro. A mesma conta tinha passado para US$ 143: a companhia decidiu cobrar pela nova tarifa de 2001.

“É a mesma pobreza, talvez pior”, disse a aposentada Encarnación Jara, de 72 anos, enquanto trocava, no Banco Central, os 800 mil sucres que tinha guardados. Sua pensão subiu de US$ 12 para US$ 20. “Mas as coisas estão mais caras”, queixou-se.

O botijão de gás de 15 quilos, que na época da dolarização custava US$ 0,60, foi logo arredondado para US$ 1 e, com a redução do subsídio, saltou para US$ 2. Para o consumo dos mais pobres, o governo pretende ressuscitar o uso do querosene, apelidado no Equador de “kerex”, e há oito anos banido do país, por causa dos riscos de explosão e intoxicação. “Querem que voltemos para o século passado”, protesta Judith Salazar, advogada da Associação de Mulheres do Equador.

Ao lado das tarifas públicas, o “redondeo” é o grande vilão dos consumidores. Desabituada com centavos, a população engoliu generosos arredondamentos por parte dos comerciantes, sob pretexto de falta de troco. “Papitas con cuero”, por exemplo, o popular prato comercial, que custava o equivalente a US$ 0,60, entrou para a era do dólar custando US$ 1. “Antes, 25 mil sucres valiam alguma coisa”, diz Patricia. “Mas, hoje, um dólar não vale nada — é o ponto de partida dos preços.”

Um diplomata conta que suas despesas com cartão de crédito, que usa para pagar supermercado, compras em lojas, restaurantes e até as mensalidades da escola de seus filhos, saltaram de US$ 1.700 para US$ 4.000.

Nos bons restaurantes de Quito, um almoço, sem bebida, sai por US$ 10 a US$ 15, o dobro de um ano atrás. Os táxis também dobraram de preço. A corrida do aeroporto ao centro é agora US$ 5. Mesmo com os aumentos de preços, o Equador segue sendo o país mais barato da América do Sul, ao lado da Bolívia. Mas seus salários também são baixos.

Uma empregada doméstica aceita trabalhar por US$ 40; um engenheiro com alguma experiência está na faixa dos US$ 250 na iniciativa privada; a estatal Petroecuador paga a um auditor US$ 350; um executivo do setor financeiro recebe entre US$ 1.500 e US$ 2.000; e nem mesmo os deputados estão nadando em dinheiro: US$ 2.000.

A situação está melhor para quem não vive de salário. Em janeiro de 2000, o clínico-geral Miguel Gómez atendia de quatro a seis pessoas por dia em seu consultório, na região central de Quito. As consultas custavam entre 100 e 150 mil sucres (de US$ 4 a US$ 6). Hoje, exatamente no mesmo consultório, ele atende entre seis e oito pacientes por dia e cobra US$ 12 por consulta. O médico passou a ajudar a irmã, professora pública, com salário de US$ 200, a manter o filho na faculdade, cuja mensalidade mais do que dobrou, para US$ 60.

Perdas versus ganhos – “Para nós, foi muito bom”, diz o francês Thierry Sebastia, dono da livraria Libri Mundi. “Antes, não sabíamos que preço pôr nos livros.” Segundo Sebastia, 80% dos livros no Equador são importados. “Recebíamos a mercadoria e, quando íamos pagar, três, quatro, seis meses depois, a moeda já se tinha desvalorizado.”

Em 1999, a contabilidade da livraria fechou no zero – sem lucro nem prejuízo. “Todo o esforço do ano foi para pagar o diferencial cambial.” Em 2000, Sebastia abriu uma filial e contratou sete funcionários. E o preço de muitos livros importados caiu, graças à desvalorização das moedas européias frente ao dólar. “O Mundo de Sofia”, por exemplo, baixou de US$ 20 para US$ 14.

OS SETE PASSOS DA DOLARIZA‚ÌO

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