Liberais e colorados poderiam depor presidente, mas têm outros interesses
ASSUNÇÃO
O escândalo da paternidade em série do ex-bispo Fernando Lugo pode não lhe custar o cargo de presidente do Paraguai. Mas ele terá de ceder mais espaço no seu governo, para acomodar o grupo de seu vice, o liberal Federico Franco. Ele tem o número suficiente de cadeiras na Câmara e no Senado para somar com a oposição colorada os dois terços necessários para destituir o presidente.
Mas, neste momento, esse passo não parece interessar nem aos liberais nem aos colorados. Nos últimos dias, Franco negou reiteradamente a intenção de apoiar um julgamento político de Lugo, ao mesmo tempo em que negociava com o presidente cargos cobiçados no governo, como a direção da Hidrelétrica de Yacyretá, da estatal Petropar e da Alfândega, além de ministérios. Num sinal de que deve ceder, Lugo admitiu, na sexta-feira, que haverá novas mudanças no governo. Isso depois da substituição, na semana passada, de quatro ministros, incluindo o único vinculado a Franco, que reclamou sentir-se “empurrado para a oposição”. A sequência de escândalos parece ter mudado a percepção de Lugo sobre a importância de seu vice.
“Matematicamente, a destituição é possível, porque se podem obter os dois terços necessários tanto na Câmara quanto no Senado”, diz o analista político liberal Gonzalo Quintana. “Mas há um esforço muito grande do governo de assegurar a adesão plena do Partido Liberal, com a recuperação do apoio do setor franquista.” O resultado é o enfraquecimento do projeto político de Lugo, que lidera pequenos partidos de esquerda, sem base no Congresso, e tem de fiar-se nos liberais para governar.
Esse cenário parece interessar mais aos colorados do que a destituição de Lugo. “Eles preferem um governo desprestigiado de Lugo do que pôr, com seus votos, um liberal na presidência”, observa Quintana. Congressistas da oposição ouvidos por jornais paraguaios disseram que Franco substituiria todos os funcionários colorados por liberais, em razão da disputa histórica entre os dois partidos. Lugo não fez isso. Além do mais, um governo Lugo debilitado seria o melhor passaporte para a volta dos colorados ao poder, em 2013.
E a debilitação é palpável. Pesquisa realizada pelo instituto First Análises e Estudos logo depois de Lugo assumir a paternidade da primeira criança, no dia 13, mostrou que 31,9% dos entrevistados passaram a confiar nele menos que antes. “Esse foi o custo para a credibilidade do presidente”, quantifica Francisco Capli, diretor do instituto. A fatia é formada sobretudo por mulheres e jovens.
“Lamento muito que um bispo faça isso”, diz Vilma Romero, de 24 anos, formada em administração e funcionária da vice-presidência. “É muito complicado para mim, porque sou catequista”, explica. “Ele deixou muito a desejar. É uma decepção. Votei nele, mas não sei se votaria de novo.”
Na pesquisa, 57,5% dos entrevistados disseram que continuam confiando em Lugo como antes e 10,6%, que confiam ainda mais – em razão de ter assumido a paternidade. “Muita gente está decepcionada, mas, por outro lado, há uma visão machista segundo a qual isso pode significar até um certo poder”, analisa o sociólogo Alejandro Vial. Ele lembra que, depois da Guerra da Tríplice Aliança (1864-70), que dizimou os homens, ter muitos filhos, até mesmo fora do casamento, era considerado uma virtude patriótica, para repovoar o país. Ao general Bernardino Caballero, fundador do Partido Colorado em 1887, eram atribuídos mais de 70 filhos ilegítimos.
“Nós sabemos que há sacerdotes que não se ajustam às imposições da Igreja”, diz o advogado Juan Camilo Pérez, de 50 anos. “A Igreja tem de descartar o celibato, pois os sacerdotes são seres humanos. Para ser bom sacerdote e bom presidente, é preciso ter uma família.” Pérez não votaria de novo em Lugo, mas por outro motivo: “Votamos nele para realizar mudanças, e até agora não fez nada.” Na pesquisa do First, o descontentamento dos entrevistados é maior com o desempenho gerencial de Lugo do que com o escândalo. À pergunta sobre se ele preencheu as expectativas, 30,2% responderam “pouco” e 24,1%, “nada”. Quanto a sua capacidade de tomar decisões, 39% disseram que ele é “fraco” e 20,1%, “muito fraco”. Nesses oito meses de governo, 37,9% opinaram que ele “fez pouco” e 25,2%, que “não fez nada”.
Antes de escolher um sucessor para Lugo em 2013, no entanto, os paraguaios terão eleições municipais no ano que vem. Em suas brigas internas, os liberais estão disputando posições no partido para esse pleito. A estabilidade do governo Lugo depende tanto de ele conseguir acomodá-los no seu governo quanto de parar de aparecerem filhos do presidente.