Segundo embaixador, atitude de autoridades paraguaias na região também é acompanhada
ASSUNÇÃO – O governo brasileiro acompanha atentamente o desenrolar dos acontecimentos no Departamento de Alto Paraná e a atitude do governo do Paraguai frente à tensão entre brasileiros e paraguaios na região fronteiriça. Foi o que disse ao Estado, pelo telefone, de Brasília, o embaixador Lúcio Amorim, diretor-geral de Assuntos Consulares, Jurídicos e de Assistência a Brasileiros no Exterior.
“Preocupou-nos muito a morte do paraguaio, em abril”, disse Amorim, referindo-se ao assassinato de Arnaldo del Valle, que levou à fuga de quase 30 pequenos proprietários de terras brasileiros. “Mas, em nenhum momento, detectamos resistência das autoridades paraguaias, que reconhecem a importância do problema e se mostram dispostas a agir.”
A passagem da disposição para a prática, no entanto, não tem sido mais rápida nem mais lenta do que o padrão do governo paraguaio. No mês passado, por exemplo, o ministro do Interior, Wagner Bower, explicou ao governo brasileiro que o efetivo da Polícia Nacional da região estava mobilizado para a Copa América e por isso não podia enviar reforços a Porto Índio.
Em reunião na quarta-feira, no Instituto do Bem-Estar Social (IBR, equivalente ao Incra), em Ciudad del Este, com o diretor da 4ª Zona Policial e três representantes dos “campesinos” paraguaios, ficou decidido que será instalada uma delegacia em Porto Índio. O IBR comprometeu-se a estudar os títulos de propriedade dos fazendeiros invadidos e a situação dos camponeses.
“Não basta ser campesino sem terra, que pode ser traficante de terras, que vende e vai para outro lugar”, disse o diretor do IBR de Alto Paraná, Hermanegilo Alonso. Os camponeses se queixam, no entanto, de que o programa de reforma agrária paraguaio não inclui créditos. “Quando acaba o dinheiro, temos de vender o direito do lote e invadir outro terreno”, explicou um dos líderes locais, Crispin Cabrera.
O IBR vai determinar a validade ou não dos títulos de terras e da ocupação dos terrenos. “Se o título diz que são 15 hectares e o proprietário ocupa 64, desapropriamos o excedente e assentamos campesinos”, exemplificou Alonso. Vários brasileiros acampados em Foz do Iguaçu, no entanto, afirmam que não há condições de segurança para voltar a Porto Índio, onde dizem ter sido alvos de ameaças e agressões de campesinos armados.
Das 30 famílias de pequenos agricultores brasileiros que havia em Porto Índio, o Estado encontrou apenas quatro, na semana passada. Mas os que ficaram evitam fazer comentários que possam desagradar os paraguaios. “Queremos continuar aqui e não queremos problemas”, dizem Cláudio Ferreira Nunes e sua mulher Lorentina.
O consulado do Brasil em Ciudad del Este promoveu, no dia 22, a visita do juiz Wilfrido Velásquez, do município de Hernandárias, à área do conflito. Mas o juiz não pôde ver muitos invasores paraguaios, porque mil camponeses tinham sido levados por vereadores para San Alberto, a 40 quilômetros, para participar dos protestos contra o prefeito brasileiro naturalizado paraguaio Romildo Maia.
Uma semana depois, o ministro do Interior, Wagner Bower, recebeu agricultores brasileiros em Assunção e se comprometeu a aumentar a segurança em Porto Índio e indenizar proprietários de terras invadidas.
Na quarta-feira, o presidente do IBR, Enrique García de Zúñiga, prometeu liquidar a questão dos títulos de terras em um mês. Já o governo do Departamento de Alto Paraná promete, até o fim do ano, entregar novas estradas, um posto de saúde e uma escola. Os brasiguaios afirmam que, depois do assassinato de Del Valle, em abril, seus filhos foram impedidos de freqüentar as aulas pelos professores paraguaios. Das três escolas da região, apenas uma tem dois alunos brasileiros, mas o professor, que não quis identificar-se, não permitiu que o Estado falasse com as crianças.
A análise da validade dos títulos deverá causar problemas. Antes da represa de Itaipu, formada nos anos 70, essa área fazia parte de uma gigantesca propriedade de 64 mil hectares, pertencentes a dois brasileiros: Moacir Silvestre e Marinho Pereira.
A inundação pela represa, em 1978, reduziu a área a 34 mil hectares. Os donos foram indenizados. Em 1982, com a morte de Silvestre, que não deixou herdeiros, as terras deveriam, pela lei, ter voltado para as mãos do Estado. Em vez disso, outro brasileiro, chamado Antonio Monteiro Camargo, saiu vendendo partes da propriedade.
Logo em seguida, os “sem-terra” paraguaios começaram a acampar na região, identificando aí um nicho de desapropriações. A primeira a ter a propriedade invadida foi a brasileira Suíta Coronado da Silva, em cujos 1,2 mil hectares já estão assentadas 250 famílias.
O caso de Suíta é uma amostra dos interesses em jogo na região. Seu marido, Günther Wolflick, resistia em ceder 10 hectares da propriedade para a instalação de um porto no Lago Itaipu, que liga Porto Índio, no Paraguai, a Santa Helena, no Paraná, quando morreu num acidente de carro, em 1993.