Ramírez faz balanço positivo de visita de Lula e garante que problemas serão todos resolvidos na mesa de negociações
ASSUNÇÃO
O governo paraguaio não vai seguir o caminho “populista” de “exacerbar o nacionalismo para ganhar adeptos e levar a uma confrontação”. É o que afirma o chanceler Rubén Ramírez Lezcano, ao descartar a adoção das táticas da Bolívia na solução das pendências que o Paraguai tem com o Brasil.
Em entrevista exclusiva ao Estado, Ramírez, um economista e diplomata de carreira de 41 anos, faz um balanço positivo da primeira visita bilateral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizada no domingo e na segunda-feira. Mas insiste que seu governo espera as soluções prometidas para os problemas de Itaipu e do comércio.
O presidente Lula parece ter sido bastante firme ao rejeitar uma renegociação do Tratado de Itaipu. Vocês vão insistir?
O presidente Nicanor Duarte Frutos expôs a vontade do governo paraguaio de alcançar soluções para uma série de questões vinculadas à administração da entidade binacional e ao preço da energia. Ambos expuseram os distintos pontos de vista sobre a forma de chegar a uma solução. O presidente Lula expressou na declaração conjunta a predisposição de seu governo de alcançar soluções equitativas a essas reivindicações.
Especificamente, o que poderia mudar?
Já existe uma solução sobre a eliminação do fator de reajuste (correção monetária sobre a dívida de Itaipu). O governo brasileiro editou em março uma Medida Provisória, que a Câmara aprovou no dia 2 e chegou terça-feira ao Senado. Esse reajuste fez a dívida crescer muito, e no ritmo que íamos seria muito difícil terminar de pagá-la em 2023, como previsto. Tendo a perspectiva de pagar a dívida, se poderá avançar em obras de uma nova subestação (do lado paraguaio), uma unidade de medição e eclusas de navegação do Rio Paraná. Estamos vendo se Itaipu pode financiar uma linha de transmissão dentro do Paraguai. Aguardamos também que o Congresso brasileiro aprove o Anexo A, para a co-gestão plena de Itaipu.
A imprensa paraguaia diz que o presidente Lula não veio com nenhuma definição sobre Ciudad del Este, e adiou a solução para daqui a 30 dias. Qual a posição do governo?
Consideramos que a visita do presidente Lula reflete o alto nível de entendimento que existe entre os dois governos. Os comerciantes têm uma urgência em formalizar todo o comércio na Ciudad del Este e em todo o Paraguai. Já se chegou a um consenso entre o empresariado e o governo para eliminar todas as mercadorias piratas, e que se cumpram todas as obrigações tributárias no Paraguai. Essa formalização tem que se dar de forma conjunta com o Brasil. O contrabando existe porque há condições econômicas, corrupção. Dois temas estão por resolver: a alíquota de imposto a ser cobrada dos “sacoleiros” e o volume que eles podem importar por ano. O Paraguai propõe 18% de alíquota e até R$ 300 mil por ano. A contraproposta do Brasil é muito mais elevada (50%). Os ministros da Fazenda e da Indústria e Comércio foram encarregados de solucionar isso definitivamente e implementar em 30 dias. Isso tem um impacto social sobre 40 mil famílias de brasileiros que vivem desse comércio. A nota fiscal, com um código de barras, garanirá que só produtos legais entrarão no Brasil. O governo paraguaio está determinado a fazer com que a corrupção, a pirataria e o contrabando sejam mais caros que a legalidade.
Os paraguaios falam também de “travas”, barreiras não-tarifárias que impedem a exportação de seus produtos de valor agregado para o Brasil.
Há muitíssimas matérias pendentes. Há vários setores prejudicados, como plásticos, laticínios, têxteis, agroindústria e transportes. O Paraguai abriu totalmente sua economia. Com o Brasil, não sucedeu o mesmo. Há decisões que mudam as regras do jogo constantemente. Quanto maior valor agregado, mais difícil entrar no Brasil, por causa dos escalonamentos tributários e das normas técnicas. Há demoras na liberação na alfândega que geram custos violentos para os exportadores. A Anvisa cria regras de rotulagem para os lácteos, mas Ponta Porã (MT), por exemplo, adota normas totalmente diferentes. E ainda aplicam alíquotas estaduais e municipais próprias. Quando temos que transitar no Brasil com nossa soja ou milho para exportar para outros países, temos de pagar PIS/Cofins. Colocamos todos esses problemas sobre a mesa, e encontramos no presidente Lula um interlocutor com vontade de resolvê-los.
O Paraguai se aproxima de uma eleição presidencial (em abril), e há candidatos que defendem uma postura mais agressiva em relação ao Brasil. Será que o presidente Duarte Frutos, que apresentou seus candidatos ontem (quarta-feira), não adotará uma posição mais agressiva, para atender a exigências eleitorais?
De maneira nenhuma. A relação entre o presidente Duarte Frutos e o presidente Lula é a melhor possível. Trabalhamos em plena coincidência de critérios. Que o Paraguai reclame o que considera importante para seu interesse nacional não implica uma confrontação com o Brasil.
A Bolívia foi vitoriosa em suas exigências frente ao Brasil. Seu estilo mais contundente pode servir de inspiração para vocês?
De nenhuma maneira. Provavelmente os populistas encontrem uma motivação de exacerbar o nacionalismo para ganhar adeptos e levar a uma confrontação. Esse não é o caso do governo paraguaio. Acreditamos que todas as soluções podem ser encontradas na mesa de negociações.