LIMA — Alejandro Toledo é uma personalidade complexa, resultante de uma história de vida difícil.
Passou uma infância muito pobre, em Chimbote, costa norte do país, e trabalha desde os 5 anos de idade, começando como engraxate e vendedor de tamales, uma espécie de pamonha andina. Apesar das dificuldades, conseguiu estudar e ganhou uma bolsa para cursar economia na Califórnia.
A origem humilde originou uma identificação com o povo peruano, e o perfil de vencedor, uma idealização. Toledo explorou ambas, apresentando-se como reencarnação do guerreiro Pachacútec, que viveu no apogeu do império inca, há 500 anos. Para assinalá-lo, amanhã, depois de haver tomado posse hoje no Congresso em Lima, ele realizará uma cerimônia diante dos deuses no santuário de Machu Picchu — ao lado da mulher, a etnóloga Eliane Karp, que devolve a idealização de seu marido pelos camponeses de origem indígena com a idealização deles nos conceitos de seu radicalismo romântico.
Ambivalente, no entanto, quando o interlocutor e a situação requerem, Toledo também é capaz de um discurso cartesiano e articulado, em que a preocupação com os problemas sociais não agride os fundamentos macroeconômicos. Em sua equipe de governo, estrelam Roberto Dañino, novo presidente do Conselho de Ministros, que vem de um período de dez anos em Washington, onde tem um escritório de advocacia, e o novo ministro da Economia, o ortodoxo Pedro Pablo Kuczynski, bem-visto pelos mercados.
Aos 51 anos, e aparentando mais, Toledo chega à presidência do Peru sem nunca antes ter ocupado um cargo eletivo. Sua trajetória foi a de um economista doutorado em Stanford que prestou assessoria em projetos de instituições multilaterais como o Banco Mundial, deu aulas e chegou a ocupar um cargo num banco estatal de fomento durante o governo de Alan García (1985-90). Com essas credenciais, ganhou proeminência e passou a aparecer constantemente na televisão, para dar palpite sobre temas econômicos e sociais.
Na primeira vez que se lançou candidato, já a presidente, em 1995, ficou num modesto quarto lugar, com apenas 235 mil votos, ou 3%. Naquele ano, Fujimori reelegeu-se no primeiro turno, com avassaladores 4,6 milhões de votos, ou 64%, derrotando Javier Pérez de Cuéllar, que teve 22% dos votos.
No ano passado, muitos peruanos já se mostravam incomodados com Fujimori, por causa do fim do ciclo do crescimento econômico e de suas peripécias para obter o terceiro mandato — interpretando criativamente a Constituição por ele promulgada em 1993, que só permitia uma reeleição, mas, segundo ele, não contava o primeiro governo, anterior a ela.
Depois de uma contagem recheada de idas e vindas, suspensões e suspeições, Fujimori derrotou Toledo no primeiro turno por 49,9% a 40,2% — na justa medida para haver um segundo turno, do qual o candidato oposicionista não quis participar, denunciando fraude.
Toledo passou a liderar um movimento de resistência civil, fortalecido pelo surgimento dos vídeos que incriminavam o braço direito de Fujimori, Vladimiro Montesinos, até que a situação se tornou insustentável e ambos fugiram — o primeiro para o Japão, onde está exilado até hoje, e o segundo para a Venezuela, onde foi capturado este mês por agentes peruanos.
Toledo emergiu como o herdeiro natural do governo do Peru, mas não sem antes travar uma dura batalha este ano com dois candidatos fortes: o ex-presidente Alan García e a ex-congressista Lourdes Flores. Nada foi fácil até hoje na vida de Toledo. E nada indica que passará a ser.