Em 2.º lugar com quase 1 milhão de votos, Vázquez confirma crescimento constante
MONTEVIDÉU – Todos saíram ganhando. Essa é a avaliação que se faz em Montevidéu do resultado do segundo turno da eleição presidencial de domingo. Ganhou o senador colorado Jorge Batlle, por razões óbvias: depois de se candidatar ao cargo cinco vezes, foi finalmente eleito presidente do Uruguai. Mas, segundo analistas, ganharam também o candidato derrotado, Tabaré Vázquez, do grupo de centro-esquerda Frente Ampla, e até mesmo o líder do Partido Nacional (ou Blanco), Luis Alberto Lacalle, que não passou para o segundo turno, mas cujos votos decidiram a eleição em favor de Batlle.
“Vázquez saiu fortalecido, ao obter quase 1 milhão dos votos”, observa Oscar Bottinelli, diretor do instituto de pesquisas Faktum. “A Frente Ampla tem crescido consistentemente nas três últimas eleições, tendo tido 31% (em 1994, quando Vázquez disputou a eleição com o atual presidente, o colorado Julio María Sanguinetti), 39% (no primeiro turno, dia 31) e, agora, 45%.” A Frente Ampla, fundada em 1971, é um grupo jovem para os padrões uruguaios, cujas agremiações tradicionais, Colorado e Blanco, alternam-se no poder desde 1836.
Vázquez obteve, no domingo, 927 mil votos, ou o equivalente, precisamente, a 44,07%, e Batlle, 1.138 milhão, ou 51,59%, de um universo de 2,4 milhões de eleitores. Os votos em branco e nulos somam 63 mil (1,9%). O comparecimento foi de 91,33%. Hoje, a Justiça Eleitoral começa a analisar 30 mil votos, de pessoas que tinham o título de eleitor, mas não estavam nas listas das respectivas seções eleitorais. A distribuição desses votos deve resultar nas proporções previstas na boca-de-urna: 52% a 47%.
O ex-presidente Lacalle (1990-1995) teve sua liderança fortalecida no interior do Partido Nacional e participará do futuro governo, que tomará posse em 1º de março. Ontem à tarde, Batlle escolheu três pessoas com quem se reunir: o diretor do jornal El País, Washington Beltran, dirigente blanco que apoiou o candidato colorado no segundo turno, Lacalle e Sanguinetti. No atual Congresso, os dois partidos já estão coligados para sustentar o governo, mas a convocatória para blancos votarem num candidato colorado à presidência foi inédita.
“Lacalle fez uma aposta e quase 100% dos blancos atenderam a seu pedido”, diz Bottinelli. No primeiro turno, Batlle obteve 704 mil votos (31,9%) e Lacalle, 479 mil (21,7%). No segundo, os votos de Lacalle migraram maciçamente para Batlle. As pesquisas já indicavam havia duas semanas a votação obtida por Vázquez.
“Ao chegar a 45%, Vázquez alcançou seu nível máximo e ficou congelado”, analisa Bottinelli. “Enquanto isso, os indecisos, que eram sobretudo blancos, foram-se definindo em favor de Batlle.” Isso, apesar da histórica rivalidade. “Os uruguaios não votam em branco, não gostam de ficar de fora da decisão.”
Juntos, colorados e blancos somarão cerca de três quintos das cadeiras no Congresso. Entretanto, são necessários dois terços dos votos para reformas constitucionais e aprovação de nomes para dirigir as estatais, num país em que não houve programas de privatização como os que se tornaram comuns na América do Sul. Assim, será preciso negociar com a Frente Ampla, que obteve 39% dos votos nas eleições parlamentares.
Batlle deve manter o programa de estabilidade econômica conduzido por Sanguinetti, baseado nos princípios ortodoxos do equilíbrio fiscal, que possibilitaram a redução da inflação anual, de 26%, em 1995, para menos de 4%, em 1999. Vázquez declarou-se comprometido com a estabilidade, mas suas promessas de aumentos no salário mínimo e nos gastos sociais despertaram suspeitas, assim como a presença, na Frente Ampla, de deputados e senadores eleitos, mais à esquerda, que defendem medidas como a moratória da dívida externa.
“A vitória de Batlle representa a confiança de uma clara maioria na garantia de estabilidade e desenvolvimento que ofereceram o candidato eleito e a coalizão política que o respalda, em contraste com as incertezas que transmitiam a candidatura de Vázquez e o conjunto amplo e diverso de setores que a apoiaram”, sentenciou, em editorial de ontem, o jornal El Observador, dirigido ao empresariado uruguaio.
“A Frente Ampla, que, pela segunda vez consecutiva, ficou muito perto de conquistar o governo, enfrenta a responsabilidade de aprofundar sua evolução interna para se tornar mais confiável”, concluiu o jornal, citando os exemplos da esquerda na Argentina e no Chile.