Centenas de manifestantes pró-Chavez se aglomeraram diante de Miraflores, novo presidente e ministros entraram em pânico e Guarda de Honra tomou partido do presidente eleito
CARACAS – A reação ao golpe na Venezuela, ou “contra-contra-revolução”, como a chamou o presidente Hugo Chávez, começou a se materializar no fim da manhã de sábado. Centenas de simpatizantes do presidente deposto se aglomeraram na frente do Palácio Miraflores, sede do governo, denunciando o golpe e exigindo saber o paradeiro de Chávez e obter provas de sua renúncia. Dentro do palácio, o presidente interino, Pedro Carmona, e os ministros que ele indicara na véspera aguardavam para a cerimônia de posse do novo gabinete.
Por volta de 13 horas (14 horas em Brasília), chegou a Miraflores a seguinte mensagem: “Vão bombardear o palácio!” A partir daí, instalou-se o pânico, segundo relatos – compilados pelo jornal Últimas Noticias, o único que saiu ontem – de repórteres venezuelanos que tinham entrado no palácio para cobrir a posse dos ministros. Uma capitã da Força Aérea guiou cerca de 30 membros do então novo governo pelos corredores internos e túneis subterrâneos do palácio.
Com o passar do tempo, ocorreu aos novos ministros e funcionários de alto escalão do governo interino uma dúvida que se tornara comum para muitas autoridades desde o golpe de quinta-feira à noite que derrubou Chávez: “Estamos sendo protegidos ou detidos?” Depois de receber instruções, a capitã respondeu que eles não poderiam sair do palácio – agora cercado por milhares de chavistas -, porque era “perigoso demais” para eles.
Carmona mandou suspender a cerimônia de posse dos ministros. Eram 14h40 quando ele deixou o palácio rumo ao Forte Tiuna, sede do Ministério da Defesa, em comboio, protegido por escolta, acompanhado do empresário Gustavo Cisneros e de três vice-almirantes, entre eles o ministro da Defesa designado, Héctor Ramírez Pérez.
Nesse momento, o comando da Guarda de Honra, com um contingente de 3 mil homens, responsável pela segurança do palácio, depois de intensos contatos com comandantes de outras unidades das Forças Armadas, tomava o partido de Chávez. Os membros da Casa Militar e os responsáveis pela guarda pessoal do presidente, armados de fuzis e pistolas, instalaram-se no despacho e outros setores-chave do palácio e do batalhão da Guarda, que ocupa um anexo em Miraflores.
Os próprios militares entraram em contato com os integrantes do governo Chávez. Recebidos com júbilo pelos manifestantes que cercavam o palácio, e tendo a entrada franqueada pelos guardas, as autoridades começaram a acorrer à sede do governo. O primeiro a chegar foi o ministro da Educação, Aristóbulo Istúriz, que, como a maioria dos membros do governo deposto, estava escondido, para escapar ao destino do ministro do Interior e Justiça, Ramón Rodríguez Chacín, preso na sexta-feira.
Por volta das 18 horas, quando quase todos os ministros já estavam no palácio, chegaram o presidente da Assembléia Nacional, Willian Lara, o procurador-geral da República, Isaías Rodríguez, e o chefe da Defensoria do Povo, Germán Mundaraín. As autoridades chegavam e abraçavam umas às outras e aos militares. Rodríguez garantiu aos membros do governo interino que sua integridade seria preservada.
Enquanto isso, o presidente interino, sentindo o chão ruir sob seus pés, realizava um recuo tático. Carmona declarou nulo seu decreto da véspera que dissolvera a Assembléia Nacional. O presidente reconvocou os deputados para um período de “sessões extraordinárias”, para, entre outras coisas, nomear ministros do Supremo Tribunal de Justiça, por ele também fechado. Chávez tem maioria absoluta na Assembléia Nacional – da mesma maneira que no Supremo.
Em seguida, o comandante do Exército, general Efraín Vásquez, anunciou nove condições sob as quais as Forças Armadas apoiavam o governo cuja ascensão elas próprias promoveram, por meio de um “movimento cívico-militar”. Entre elas estava a reinstalação da Assembléia Nacional e do Supremo Tribunal. “Isto não é um golpe”, enfatizou Vásquez.
Enquanto as consultas entre os comandantes militares se intensificavam, o presidente interino apostava que o juramento de seu ministro da Defesa daria início à consolidação do governo no campo militar. Mas a batalha já estava perdida. Às 21h46, o presidente da Assembléia Nacional tomou juramento do vice-presidente Diosdado Cabello, que tomou posse interinamente, até que Chávez reaparecesse. A duplicidade de poder não durou muito: no Forte Tiuna, Carmona renunciou minutos depois, para, segundo ele, “evitar derramamento de sangue”.
Às 23h20, o general Rafael Arrieta foi aos estúdios da emissora estatal VTV, que voltara ao ar, para comunicar que as forças leais a Chávez tinham total controle do quartel-general do Exército e da maioria das principais bases militares do país. “O comandante Chávez reassumirá em breve.”
Durante todo esse tempo, o paradeiro do tenente-coronel da reserva era desconhecido. Só foi revelado quando se começavam a fazer os preparativos para que ele deixasse o cativeiro. No fim da noite, o aeroporto da Ilha de La Orchila já estava sob controle de forças leais a Chávez.
Passava da meia-noite quando Chávez embarcou no helicóptero, escoltado por caças F-16, que o levou da Base Naval de Turiamo para o Palácio Miraflores. Por volta das 3h30, aterrissou no heliporto do palácio, onde foi recebido euforicamente pelos seus colaboradores e pelos milhares de venezuelanos que rodeavam a sede do governo.
Eram 4h35 quando o presidente Hugo Chávez se dirigiu à nação em cadeia de rádio e televisão, para anunciar o êxito de sua “contra-contra-revolução”.