Declaração abre guerra no Congresso e oposição promete dificultar ao máximo ingresso no bloco comercial
Se o presidente Hugo Chávez queria tornar a Venezuela membro pleno do Mercosul, não poderia ter encontrado momento pior para atacar o Congresso brasileiro. O Itamaraty enviou na semana passada ao Congresso o protocolo de adesão plena da Venezuela à união aduaneira. Furiosos com as declarações de Chávez, parlamentares da oposição garantem que o protocolo não tem futuro no
Congresso.
Tudo começou no dia 30, quando a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou um pedido ao governo venezuelano para que reconsiderasse a decisão de não renovar a concessão da RCTV. O troco veio no dia seguinte. “Que triste para o povo brasileiro!”, lamentou Chávez, ao lado do
secretário-geral do Partido Comunista do Vietnã, Nong Duc Manh, que vinha do Brasil. “Minhas condolências para esse povo, que não merece isso. Um Congresso que repete como um papagaio o que dizem em Washington. Que prejuízo esse Congresso causa à integração latino-americana!”
Mesmo acreditando que a Venezuela padece de “excesso de democracia”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa do Congresso, assim como os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). E o tempo fechou para a Venezuela em Brasília, justamente quando a comissão de nove senadores e nove deputados que representam o
Brasil no Parlamento do Mercosul se prepara para discutir o pedido de adesão plena da Venezuela, que hoje não tem poder de voto no bloco.
Para o DEM e o PSDB, a Cláusula Democrática do Mercosul exclui países autoritários, como seria o caso da Venezuela. “Lembra-se do Paraguai?”, pergunta o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), referindo-se ao apoio do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1996, ao então presidente
paraguaio, Juan Carlos Wasmosy, contra a tentativa de golpe do comandante das Forças Armadas, general Lino Oviedo. A Cláusula Democrática foi inspirada nesse episódio.
“Uma condição sine qua non para a presença de países no Mercosul é o Estado Democrático de Direito completo”, enfatiza Agripino. “O Brasil tem a obrigação de fazer o mesmo em relação à Venezuela. É claro que está maculada a democracia venezuelana. Foi aplicada a lei da mordaça e a oposição está garroteada, sufocada, praticamente inexistente.” Segundo o senador, “os Democratas, até para honrarem o nome do partido, vão ter que exigir uma demonstração clara da substância democrática da Venezuela”.
A Venezuela pode não virar membro pleno do Mercosul, mas Chávez conseguiu repetir, no Brasil, a proeza realizada no seu país: a de polarizá-lo em torno de identidades e fantasmas que se julgavam sepultados.
“Esses que hoje gritam em defesa da democracia, durante a ditadura militar brasileira calaram a boca de jornalistas e da imprensa nacional”, acusa o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), associando o DEM à antiga Arena. “Na hora em que a RCTV estimulou um golpe de Estado, eles também não ficaram indignados. Eles não têm razão política para se indignar porque a concessão acabou e não
foi renovada.”
Numa nota, o Partido dos Trabalhadores apoiou oficialmente a decisão de Chávez de tirar a RCTV do ar. “O PT resolveu comprar essa desculpa rota de que a TV participou do golpe”, critica o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). “O PT se recusa a aprender uma lição, que é quase uma
maldição: todo aquele que nega solidariedade a quem é violentado no seu direito democrático terminará um dia precisando de solidariedade sem obtê-la.”
BLOQUEIOS
Da comissão mista do Mercosul, o protocolo de adesão deve seguir diretamente para os plenários da Câmara e do Senado, nessa ordem. É o que prevê projeto de resolução sobre o funcionamento da comissão, que está para ser aprovado no Senado. Em cada uma dessas instâncias, DEM e PSDB prometem impedir sua aprovação. As bancadas estão representadas na comissão proporcionalmente a seus tamanhos, o que, em tese, daria maioria ao governo. “Mas alguns
partidos ditos da base estão se manifestando contra o protocolo”, lamenta Dr. Rosinha, vice-presidente do Parlamento do Mercosul.
“A minoria tem muitos instrumentos”, acena o líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS). “Dá para obstruir na tramitação, nas votações do plenário, não permitir acordo para incluir na pauta.” Virgílio, diplomata de carreira, que já era contra a entrada da Venezuela antes do ataque de Chávez, prevê: “No plenário da Câmara, com certeza vai tumultuar bastante as votações. E aqui, vai ser um paredão para eles passarem.”
“Para aprovarmos o protocolo, precisaremos, primeiro, de superar as grosserias do presidente Chávez”, avalia Sérgio Zambiasi (PTB-RS), presidente da comissão do Mercosul e entusiasta da entrada da Venezuela no bloco. “A Venezuela terá de fazer uma manifestação de desagravo, porque
ofendeu as instituições do Brasil.” Zambiasi não espera uma retratação do presidente venezuelano, mas “um gesto de reconhecimento de que houve um excesso”. E diz que não há pressa nem prazo para aprovar o protocolo na comissão.
Apesar da clara divisão entre o PT e a oposição, o ambiente negativo que Chávez criou para si no Congresso é ilustrado por um recado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). “O Congresso que Chávez hoje critica o apoiou na época do golpe contra ele”, recorda o líder do PT no Senado, referindo-se a uma moção aprovada pela Câmara em 2002, por sua iniciativa. “Quando faz uma
moção pedindo para manter a concessão da RCTV, o Congresso brasileiro está defendendo os mesmos princípios que o levaram a defender Chávez.”