Presidente venezuelano sai de seu cativeiro, recebe a presidência de volta e assume tom conciliador, mas quer ‘modificações profundas’ na imprensa
CARACAS – Depois de 48 horas detido por ordem da cúpula das Forças Armadas, o presidente Hugo Chávez realizou uma volta triunfal ao Palácio Miraflores, na madrugada de ontem. No desfecho de uma seqüência de acontecimentos que deixou os venezuelanos aturdidos, Chávez aterrissou espetacularmente no heliporto do palácio, vindo de seu cativeiro na Ilha de La Orchila. E recebeu de volta o poder das mãos de seu vice-presidente, Diosdado Cabello, que tomara posse provisoriamente, enquanto aguardava o retorno de Chávez, cujo paradeiro era até então desconhecido.
O presidente interino, Pedro Carmona, renunciou “para evitar derramamento de sangue”, e foi detido no Forte Tiuna, sede do Ministério da Defesa e quartel-general do Exército. Seu destino era ontem incerto, assim como o dos membros de seu gabinete, que nem chegaram a ser empossados, e o dos comandantes das Forças Armadas, que destituíram Chávez depois de uma manifestação pela renúncia do presidente, na quinta-feira, na qual 15 pessoas morreram, atingidas por franco-atiradores, e 350 ficaram feridas.
“Carmona está detido, mas não incomunicável, como eu estive”, declarou Chávez. “Ele tem direito a defesa e a Procuradoria-Geral da República está investigando para determinar as acusações.” O vice-presidente Cabello lembrou que os participantes da tentativa de golpe de 1992 contra o então presidente Carlos Andrés Pérez – entre eles, Chávez – foram condenados a vários anos de prisão. “Eles terão de responder por seus atos, que puseram o país à beira de uma guerra civil”, disse o ministro do Interior e da Justiça, Ramón Rodríguez Chacín, preso na sexta-feira.
Em seu pronunciamento à nação, por volta das 4h30 de ontem, Chávez exortou os venezuelanos a voltar para suas casas. Os confrontos ocorridos desde a quinta-feira deixaram 35 mortos, segundo a Igreja Católica. A situação estava bem mais calma ontem, mas continuaram ocorrendo saques.
Num país profundamente dividido, Chávez assumiu um discurso conciliador. “Faço um chamado pela união e pela paz”, exortou o presidente. Ele anunciou para quinta-feira a instalação de um “Conselho Federal de Governo”, que promoverá “mesas de diálogo”, em busca de um consenso em todas as áreas da administração.
Chávez dirigiu seu apelo aos partidos de oposição, aos líderes empresariais e aos sindicatos, que se mobilizaram contra o governo desde o fim do ano passado, quando o presidente promulgou 49 leis que modificaram radicalmente a ordem econômica. O presidente pegou um crucifixo para transmitir uma mensagem especial aos donos dos meios de comunicação, que tem enfrentado desde que assumiu o governo, há três anos.
Chávez disse que está disposto a se corrigir, mas que não é só ele que tem que fazer isso. “Chegou a hora de modificações profundas nos meios de comunicação deste país”, declarou. “Não venho com nenhuma carga de rancor, mas é óbvio que temos de tomar algumas decisões”, acrescentou (ler mais sobre a imprensa em: Ameaça de bombardeio desatou reação a golpe) Como prova de sua disposição de se conciliar com os opositores, Chávez ofereceu dividir com eles os cargos na diretoria da PDVSA, a todo-poderosa estatal do petróleo.
A demissão dos diretores da empresa, substituídos por homens de confiança de Chávez, desencadeou, no início da semana passada, a greve geral e as manifestações que culminaram na deposição do presidente.
Chávez garantiu que nunca renunciou, ao contrário do que disseram os comandantes das Forças Armadas, e qualificou a vitória de uma “contra-contra-revolução, sem disparar um só tiro”, já que considera seu governo uma “revolução pacífica”.
O prefeito de Caracas, Alfredo Peña, um dos principais opositores de Chávez, declarou-se disposto a dialogar com o presidente. “O que ocorreu nesses dias me dói muito, mas sinto um halo de otimismo”, disse o prefeito, ressaltando que Chávez “foi o primeiro a manifestar a necessidade de corrigir os erros”.
Já o partido de oposição Primeiro Justiça pediu, em comunicado, a renúncia de Chávez e da Assembléia Nacional, e a eleição de um governo de união nacional.
Enquanto os venezuelanos tentavam entender o que aconteceu, o ministro da Defesa, José Vicente Rangel, deu sua interpretação. “Atribuo o ocorrido à imensa irresponsabilidade de um setor dirigente do país, em razão de seu total desconhecimento da realidade da Venezuela e das Forças Armadas”, analisou. “Os que vivem num país virtual mostrado pelos meios (de comunicação) pensaram que com essa manobra golpista deteriam o processo desencadeado por Chávez. O país real reagiu.”