Chávez reúne 50 mil, ofusca marcha da oposição e diz que país virou potência

Manifestação chavista em Caracas neutraliza ato contra reforma constitucional, que atrai poucos milhares de estudantes

 

CARACAS

A “revolução bolivariana” transformou a Venezuela numa “potência mundial”, evitou a “aniquilação” da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e dela depende a “salvação do mundo”. Essas foram algumas das afirmações do presidente Hugo Chávez, num discurso de uma hora a dezenas de milhares de pessoas que se reuniram ontem à noite em frente ao Palácio Miraflores, para manifestar apoio à sua reforma constitucional, que será submetida a referendo no dia 2.

“Há dez anos, ninguém respeitava a Venezuela, porque ela tinha se convertido numa colônia do império americano”, disse Chávez, que assumiu em 1999. “Hoje, do que ocorre na Venezuela depende a salvação do mundo”, prosseguiu o presidente, que acabava de desembarcar, segundo ele num avião emprestado por Fidel Castro, de uma viagem pelo Oriente Médio, Europa e Cuba.

Prosseguindo no seu raciocínio, Chávez recordou que, quando assumiu a presidência da Conferência da Opep, em 2000, o barril do petróleo custava US$ 7. “Entreguei a Opep com o petróleo a quase US$ 100, que é o preço justo”, vangloriou-se Chávez, que contou ter dito isso ao rei Abdullah, da Arábia Saudita, ao passar-lhe a presidência na reunião da organização, na semana passada, em Riad. “Salvamos a Opep”, garantiu Chávez. “Se não fosse a revolução bolivariana, a Opep estaria aniquilada. Já estamos desempenhando o papel de potência mundial.”

Lembrando que no seu giro visitou o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, Chávez aproveitou para fazer uma advertência aos Estados Unidos: “Que não ocorra ao império americano invadir o Irã.” Chávez não explicou a relação entre a sua gestão na Opep e a alta do petróleo, nem por que sua “revolução” representa a “salvação do mundo”. Mas negou que sua intenção de criar um programa nuclear na Venezuela esconda o desejo de ter a bomba atômica: “Não estou fazendo a bomba atômica, porque já tenho vocês, muchachos”, disse ele, dirigindo-se aos manifestantes. “Vocês são a bomba atômica venezuelana.”

O encontro apoteótico com Chávez culminou uma manifestação que teve por objetivo neutralizar uma outra, convocada pelos estudantes contrários à reforma. A oposição reuniu apenas alguns milhares de pessoas, num outro ponto do centro da cidade. Não houve confrontos entre os dois grupos. 

Trazidos de ônibus de todas as partes da Venezuela, os manifestantes chavistas eram, em grande parte, beneficiários dos programas sociais do governo, que concedem bolsas de estudo, de trabalho “voluntário” e de complementação de renda. Vestidos com camisetas e bonés que formaram um mar vermelho na Avenida Urdaneta, uma das principais de Caracas, eles exibiam siglas e símbolos que indicavam sua filiação às “missões” nas quais se dividem esses programas. 

No início da noite, a multidão, calculada em 50 mil pessoas, aglomerou-se em frente ao Palácio Miraflores, para “receber” Chávez, saudado entusiasticamente, com fogos de artifício e gritos de “viva el comandante”. Muitos choraram de emoção ao ouvir Chávez, que cantou ao microfone várias canções românticas, dizendo-se “apaixonado pela vida, pela pátria, pela juventude e pela revolução”.

Durante o dia, os estudantes universitários contrários à reforma evitaram um confronto com os chavistas. Eles haviam anunciado que sairiam no fim da manhã da Praça da Reitoria, na Universidade Central da Venezuela (UCV), e de lá caminhariam para a Praça Brión, no bairro central do Chacaíto. Os governistas organizaram então a sua marcha, partindo da Praça Venezuela, que fica a apenas 800 passos da Praça da Reitoria. Não contentes, reuniram, no mesmo horário, na Praça da Reitoria, um grupo de cerca de 250 chavistas, supostamente estudantes da UCV.

Com isso, os líderes estudantis da UCV mudaram os planos. Percorreram as faculdades da universidade pública, a mais importante do país, para reunir os estudantes, e saíram pelo outro lado do câmpus, caminhando até a Praça Brión. “A essa guerra têm de se somar todos os setores”, discursou Yon Goicochea, um dos líderes do movimento. “Não aceitamos a chantagem de que somos os salvadores da pátria. Queremos 27 milhões de salvadores da pátria”, completou, referindo-se à população do país.

Já Stalin González, outro líder do movimento, pediu aos venezuelanos que compareçam às urnas no referendo do dia 2, para votar contra a reforma. Muitos dos que se opõem a Chávez e à reforma têm defendido a abstenção, que, segundo as pesquisas, deve beneficiar o governo. 

“Chávez fez muitas coisas boas para nós”, disse Carmen Garrido, de 33 anos, separada, quatro filhos, que recebe uma bolsa de 180 mil bolívares (US$ 84, no câmbio oficial, ou US$ 33, no paralelo) para fazer um supletivo do ensino médio, chamado de Missão Ribas. “Graças a ele, tivemos a oportunidade de tirar o secundário”, completou Carmen, que vive em Parquisinato, a 6 horas de Caracas, e veio num ônibus fretado pelo governo, com colegas da Missão Ribas. 

“Somos socialistas porque não queremos voltar ao capitalismo, quando éramos mães submissas”, explicou Miriam Asuaje, de 42 anos, quatro filhos, que recebe 500 mil bolívares do programa Mães do Bairro, que oferece cursos de corte e costura, cabeleireira e artesanato, e oficinas sobre socialismo e Che Guevara.

“Faço o curso de medicina porque o escolhi”, disse Estefania Carrera, de 18 anos, enquanto caminhava da UCV para a manifestação anti-reforma. “Se o governo conseguir o que quer, quando por exemplo ele achar que tem médico demais e precisa de agricultores, terei que deixar minha carreira e ser agricultora.” 

 

O estudante de direito Carlos Arrioja, de 17 anos, teme que a reforma elimine a autonomia universitária: “Parece-nos muito arriscado entregar ao Estado nossa segurança e o poder de demitir e contratar professores.”

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