Venezuelanos que estavam no Brasil voltam para um país diferente
CARACAS
Havia uma eletricidade diferente no vôo 8942 da Varig, que partiu no fim da tarde de sexta-feira de São Paulo e aterrissou no fim da noite em Caracas. Os passageiros venezuelanos voltavam para um país muito diferente do que haviam deixado, com a queda, naquela madrugada, do presidente Hugo
Chávez. O sentimento predominante, no entanto, não era de surpresa, mas de alívio.
“Todos sabíamos que isso aconteceria, mais cedo ou mais tarde”, disse placidamente o químico Ramón Rojas, de 42 anos. “Queríamos que fosse sem violência, mas infelizmente houve mortes”, lamentou Rojas, que estava desde segunda-feira em São Paulo, numa reunião de sua empresa, a petroquímica americana Betz. “Chávez havia dividido o país entre os que eram contra e a favor dele e criado um ódio fundado na condição social.”
“Passamos a ser dois povos”, confirmou Federico Quintero, 33 anos, dono de um restaurante em Caracas. “Ficamos divididos entre pobres e classe média e alta.” Ele e a mulher, Tamara Pereira, de 26 anos, voltavam de férias de dez dias no Rio. “Recebemos a notícia com grande alegria, pela
volta à tranqüilidade”, festejou Tamara, dona de uma locadora de vídeo. “O país estava muito bagunçado.”
“Já se havia agüentado muita coisa e essa situação era mais ou menos esperada”, disse Lorenzo de Almeida, de 30 anos, que foi a um encontro em Blumenau, Santa Catarina, da companhia espanhola de informática em que trabalha. “Ele prometeu milagres, muitos o viam como um messias e se
decepcionaram. Milagres são impossíveis, mas ele não consertou nem o que podia ter consertado.”
“A corrupção chegou a um nível descarado, era de conhecimento de todos”, cita Almeida. “Também ajudou muito a posição dos executivos da estatal do petróleo (PDVSA), que não aceitaram a direção nomeada por Chávez. E a gota d’água foi a morte de pessoas numa manifestação pacífica. As Forças Armadas não gostaram, porque, como disse o comandante do Exército (general Efraín
Vásquez), elas são para cuidar do povo, não para atacá-lo”, completou Almeida, lembrando o trauma dos militares com a violenta repressão à intentona liderada por Chávez em 1992. “Eles não queriam repetir isso.”
O desemprego, a desvalorização do bolívar, a fuga de capitais estrangeiros e o aumento do risco país – que caiu com a notícia da saída de Chávez, assim como o preço do petróleo – foram outros fatores de descontentamento, enumerou o executivo. Os venezuelanos temiam um desfecho mais violento, com saques e quebra-quebra. Quando ficaram sabendo do que se passava, telefonaram para as famílias.
Caracas é um vale, rodeado por um cinturão de miséria, ocupado pelos “ranchos”, o equivalente às favelas. “Tínhamos receio de que os moradores dos ranchos descessem para atacar a cidade”, contou Rojas.
“Estou feliz”, resumiu a executiva de uma empresa da área de comunicações, que pediu para não se identificar. “Finalmente saímos disso, ficamos livres desse senhor”, disse ela, referindo-se a Hugo Chávez. “As mudanças que ele propunha não tinham nenhuma base séria, remetiam a sistemas econômicos atrasados, que não tinham mais vigência”, continuou a executiva, que participou de um encontro da companhia no Rio, durante toda a semana. “Além disso, sendo amigo da guerrilha colombiana e de Cuba, estava traindo o país, acarretando-lhe tudo o que era negativo.”
O presidente interino, Pedro Carmona, inspira a confiança desses venezuelanos. “Ele lançou o movimento contra o governo, é reconhecido como sério, honesto e responsável, e tem sabido justificar a liderança que lhe deram”, elogia a executiva, que acha, no entanto, que é cedo para dizer se votaria nele para presidente.
“Carmona tem sido muito comedido, paciente e aberto ao diálogo”, acrescenta Rojas. “Estou confiante pelo fato de que, pela primeira vez, a Venezuela é governada não por um político, mas por um gerente de empresa.” O sentimento é reforçado pela maneira como Carmona chegou ao poder.
“Foi importante o papel desempenhado pela sociedade civil”, salienta a executiva. “Todo mundo reagiu em conjunto contra o atropelo das instituições e da democracia.” Almeida compartilha o otimismo: “O povo vai amadurecendo.”