Nos bairros e morros, chavismo é tão homogêneo quanto a pobreza; nas colinas e urbanizações, é o contrário
CARACAS
Em Caracas, os pobres moram em bairros e em morros; os ricos, em urbanizações e em colinas. As diferenças semânticas dizem muito sobre os desníveis sociais. Isso não é novo. O que é novo é a polarização política, que acompanha fielmente as diferenças sociais. Uma rápida excursão pelos dois lados de Caracas, em dia de eleição, mostra a que ponto chegou essa polarização.
O bairro 23 de Enero, uma mescla de favelas e conjuntos habitacionais na forma de gigantescos blocos de edifícios construídos pelo governo do general Marco Pérez Jimenez (1953-58), é uma das áreas mais pobres de Caracas. Aqui o chavismo é tão homogêneo quanto a pobreza. “Votamos pela revolução”, resume Estángel Cárcere, 39 anos, camareiro de um hospital público. À pergunta sobre se seguirá votando indefinidamente por Chávez, que pode vir a eliminar as restrições legais à reeleição, Cárcere responde, sob a aprovação de um casal de amigos: “Estamos com Chávez até a morte. Se pudermos, vamos cloná-lo.”
“A oposição tentou fazer uma chantagem, são fantasmas, não têm votos”, diz Danexa Terán, de 28 anos, que ganha 144 mil bolívares (R$ 144) por mês como professora – “facilitadora” é a palavra usada – na Missão Robinson, um supletivo de ensino fundamental para adultos, que recebem uma bolsa de 160 mil para estudar. “Em vez de deslegitimar as eleições, eles se deslegitimaram”, analisa Danexa, que conta que os cursos da Missão Robinson (que segundo o Ministério da Educação já atendeu a 1,857 milhão de alunos) incluem aulas de “cidadania”, para aprender a gostar da República Boliviariana e a compará-la com o que havia antes.
Entre os benefícios do governo Chávez citados pelos moradores do 23 de Enero, estão: as clínicas populares, onde atendem médicos e dentistas cubanos; as Casas de Alimentação, que servem refeições de graça para os necessitados; as “escolas bolivarianas”, de período integral, com direito a merenda e almoço; subsídios para as passagens dos estudantes, que pagam 50 bolívares (R$ 0,05), e o governo entra com os outros 600 (R$ 0,60). “Agora, o subsídio é pago em dia”, elogia Ángel Urubina, dono de lotação, uma das muitas classes que apóiam Chávez incondicionalmente. “Antes, atrasava quatro meses.”
Do outro lado da cidade, na rica zona leste de Caracas, as impressões são muito diferentes. Reunidos à porte da Igreja Santa Rosalía de Palermo, num discreto gesto de protesto convocado pela organização não-governamental Súmate, os moradores do bairro de classe média alta de El Hatillo explicam por que não foram votar. “O sistema eleitoral é completamente corrupto”, diz um funcionário do Ministério da Ciência e Tecnologia, que pede para não ser identificado, com medo de perder o emprego.
“Eles têm controle sobre todo o sistema”, diz Adelso Barrios, empresário de 54 anos. “Para eles, é fácil incluir na base de votação 3 milhões de eleitores.” Barrios lembra que o governo tem os dados de 4,5 milhões de eleitores, que votaram pela revogação do mandato de Chávez, no referendo de agosto do ano passado. “Os 2 milhões de funcionários públicos são chantageados, têm medo de perder seus empregos, suas aposentadorias.” O engenheiro Ernesto Briceño, de 61 anos, garante: “Não somos abstencionistas. Não nos deixam votar, porque não respeitam o segredo do nosso voto.”
Quanto a ficar sem representação na Assembléia Nacional, eles acham que não fará grande diferença, e que a deputada Iris Varela, do MVR, o partido de Chávez, tinha razão quando declarou: “Não vão poder parar as reformas que nos dêem vontade de fazer, porque para isso somos maioria.”
Para o engenheiro Simón Parisca, de 58 anos, a Assembléia Nacional se tornou uma “pantomima”.
Os moradores de El Hatillo dizem que seu poder aquisitivo e a oferta de trabalho diminuíram muito na era Chávez (iniciada em 1998), e que não acreditam que a vida dos pobres esteja melhorando. “Estão excluindo a classe média, que é quem cria empregos”, diz a psicóloga Ana Casal, de 38 anos. “O que Chávez dá é uma esmola mensal para os pobres, por meio das ‘missões'”, afirma Barrios. “Ele não os ensina a trabalhar. Essa é sua revolução, mantê-los dependentes do governo para se perpetuar no poder.”