Presidente venezuelano afirma que iniciará ‘profundo processo de reflexão’ se perder referendo do dia 2
CARACAS
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez ontem uma advertência enigmática sobre a hipótese de ser derrotado no referendo do dia 2, que decidirá o futuro de sua reforma constitucional. “Se ganhar o ‘não’, terei que iniciar um processo profundo de reflexão”, disse Chávez, depois da divulgação de mais uma pesquisa de opinião prevendo a vitória do “não”. “Creio que vai ganhar o ‘sim’, mas devem-se considerar todas as opções.”
O presidente deixou no ar qual seria sua reação diante da derrota, mas emendou outro raciocínio, dirigindo-se a adversários que supostamente tramariam matá-lo: “Pensem bem. Não ficará pedra sobre pedra e se arrependerão por toda a vida.” Durante longo discurso a representantes de conselhos populares, no ginásio Poliedro, em Caracas, Chávez disse que as greves de médicos e de motoristas, assim como a crise de desabastecimento de alimentos, são parte de uma conspiração desses adversários para criar o caos no país. “Em todas as suas tentativas, fracassaram, mas vão seguir tentando”, alertou aos militantes bolivarianos, entre aplausos emocionados. “Por isso, devemos seguir derrotando-os em todos os terrenos em que nos dêem batalha.”
De acordo com sondagem divulgada ontem pelo instituto de pesquisas Keller & Asociados, 45% dos entrevistados votariam contra a reforma e 31% a favor, enquanto 24% estão indecisos. Entre os que afirmaram que vão comparecer às urnas no dia 2, 45% optariam pelo “não”, 40% pelo “sim” e os restantes 15% não decidiram. Muitos observadores advertem que não existem pesquisas confiáveis na Venezuela. Em seu discurso de ontem, exibido ao vivo pela TV estatal, Chávez menosprezou as sondagens, com as quais “os setores adversários buscam confundir os venezuelanos e dar ânimo a suas esquálidas fileiras”.
Independentemente da precisão das pesquisas, há uma convicção generalizada de que a abstenção beneficiaria o governo, diante da apatia de parte dos antichavistas, que desde 1998 já assistiram ao presidente vencer 11 votações. No referendo do “recall” em 2004, sobre a continuação ou revogação do mandato de Chávez, surgiram histórias de que o governo teria violado o sigilo do voto eletrônico e, com base nas listas, teria demitido funcionários públicos e perseguido eleitores que votaram “sim”.
Por causa disso, em 2005, apesar de observadores internacionais atestarem a segurança do sistema, a oposição retirou-se da eleição para a Assembléia Nacional, resultando numa maioria parlamentar de 100% para o governo. Parte da oposição percebeu o erro, e tem revisto sua estratégia, culminando num relatório divulgado ontem pelo jornal oposicionista TalCual. De acordo com o relatório, uma análise técnica do processo eleitoral concluiu que as urnas eletrônicas são confiáveis. Segundo o cruzamento de dados, tanto no referendo revogatório de 2004 quanto na eleição presidencial do ano passado, Chávez teve melhor votação nas 600 seções eleitorais em que o voto foi manual do que nas 33 mil cujas urnas eram eletrônicas. O relatório, preparado para o Bloco do Não, conclui que a oposição tem meios de fiscalizar a contagem dos votos e de evitar fraudes.
O relatório tem o claro intuito de convencer a fatia recalcitrante da oposição a ir votar no dia 2. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), dominado por chavistas, tem rejeitado sistematicamente os recursos da oposição sobre o uso indevido dos órgãos e recursos públicos na propaganda governista, no que a pesquisadora Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos, vê um propósito: “Muitas ações do CNE buscam gerar desconfiança em relação ao processo, porque a abstenção convém ao governo.”
Exortando os venezuelanos a votar pelo “sim”, Chávez detalhou ontem a sua proposta, contida na reforma constitucional, de destinar pelo menos 5% do orçamento aos conselhos populares, e de permitir ainda que eles obtenham receita gerindo “empresas de produção comunal”.
Segundo ele, os conselhos podem usar esse dinheiro para tapar buracos nas ruas, melhorar as escolas ou mesmo ajudar as famílias pobres. “O povo é generoso”, disse o presidente, inflamando-se: “Bem-aventurados os pobres, porque deles será o reino dos céus, e o reino dos céus é o socialismo, a igualdade. Aqui está a proposta divina de Cristo, redentor dos pobres.” E arrematou, atacando as autoridades das igrejas católica e evangélicas que definiram a reforma como anticristã: “Condeno-os ao inferno.”