Segundo analistas, a intenção de voto contra a reforma cresceu em novembro em meio à falta dos produtos básicos
CARACAS
A escassez de produtos essenciais, como leite, açúcar e ovos, foi uma das causas da derrota do governo no domingo, segundo os analistas. A julgar pelas expectativas dos empresários venezuelanos, os problemas econômicos tendem a se agravar. “Em janeiro, vamos entrar numa inflação galopante”, advertiu ontem o presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela (Fedecámaras), José Manuel González. O índice nos 12 meses encerrados em outubro foi de 17% e a previsão para este ano é de 18%.
A inflação tem relação direta com o desabastecimento: os preços dos produtos essenciais são controlados, e quanto maior a disparidade entre a tabela e o mercado, maior o seu desvio das gôndolas dos supermercados para países vizinhos como a Colômbia e para os camelôs, que os vendem muito mais caro.
De acordo com o diretor do instituto de pesquisas Datanálisis, Luis Vicente León, as intenções de voto contra a reforma constitucional cresceram em novembro, quando “explodiu o problema mais grave do desabastecimento de leite”. León disse ao Estado que a inflação, em si, ainda não é um problema eleitoral para o governo, mas “vai ser”.
González enumerou as seguintes causas da inflação: o excesso de liquidez da economia, provocado pelo ingresso das receitas do petróleo a preços recordes (o barril venezuelano é vendido a US$ 63, por ser de qualidade inferior); o aumento nos gastos públicos; o “diferencial cambial” entre a cotação oficial do bolívar (2.200 por dólar) e o paralelo (5.500); falhas no planejamento das importações; e incapacidade da indústria local de atender à demanda. “Os investimentos externos estão sumamente baixos”, disse González. “Falta gerar segurança jurídica, para atrair os investimentos, que são tão necessários.”
O presidente da Confederação Venezuelana de Industriais, Eduardo Gómez Sigala, advertiu, no mês passado, que, no primeiro trimestre de 2008, haveria maior escassez. Segundo ele, desde a primeira eleição de Chávez, em 1998, 6 mil fábricas, ou 40% do parque industrial venezuelano, foram fechadas, por causa do excesso de regulação, impostos altos, entraves burocráticos e estatização de empresas.
Segundo o diretor do Datanálisis, a derrota de Chávez se deveu a “causas múltiplas”. Além do desabastecimento, ele cita: a não-renovação da licença do canal RCTV, em maio, condenada por quase 80% dos entrevistados; a “concentração total de poder nas mãos do presidente”, embutida na reforma e rejeitada por 60% desde o início de junho; a repressão ao movimento estudantil em outubro e as agressões verbais de Chávez, que chamou os estudantes de “golpistas” e “fascistas”; a denúncia do general Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa e um “símbolo do chavismo”, de que a reforma era um “golpe”; a campanha da ex-primeira-dama María Isabel Rodríguez contra a reforma; e a dissidência do partido Podemos, que até então apoiava o governo.
León lembra que, em novembro, o “não” abriu 9 pontos de vantagem. Na reta final, porém, Chávez se engajou na campanha, transformando o referendo num plebiscito sobre o presidente e “elevando o custo”, para os seus simpatizantes, de votar “não”. Parte deles recorreu, então, à abstenção, que foi de 44%. Na última pesquisa do Datanálisis, realizada dia 26, o “não” vencia o “sim” por 51,21% a 48,78%. O resultado ficou próximo do divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral, com 88% dos votos contados: 50,70% a 49,29% no bloco A, das alterações propostas por Chávez; e 51,05% a 48,94% no bloco B, proposto pela Assembléia Nacional.
O “sim” teve 3 milhões a menos de votos do que Chávez na reeleição de dezembro do ano passado, quando ele reuniu 7,3 milhões. A reforma venceu em 15 dos 23 Estados. Mas foi derrotada nos mais populosos do país, incluindo Zulia, governado por Manuel Rosales, segundo colocado na eleição presidencial do ano passado.
De acordo com o diretor do Datanálisis, Chávez deve tentar agora atenuar o prejuízo em sua popularidade, apresentando-se como um “democrata”, depois de ter sido tachado de “ditador”. “E tem razão nisso, já que ficou provado que parte da oposição, que não confiava no sistema eleitoral, estava errada.” Chávez recebeu uma enxurrada de elogios por ter aceitado o resultado das urnas, incluindo do chanceler brasileiro, Celso Amorim.