Lourival Sant’Anna – Quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Dirigentes estudantis do interior se mobilizam para tomar a capital hoje, em manifestação decisiva para a oposição
SAN CRISTÓBAL, VENEZUELA
Os celulares de Juan Carlos Valencia e Angerso Carrero não param de tocar. Os dois dirigentes organizam a ida de 15 ônibus repletos de estudantes universitários, para vencer, em 12 horas, o percurso de 906 quilômetros entre San Cristóbal, no extremo oeste da Venezuela, e Caracas, no extremo norte. “Vamos ver quem coloca mais gente”, desafia Valencia, 27 anos, formado em administração e estudante de direito na Universidade Católica de Táchira, e um dos oito representantes desse Estado no Parlamento Jovem Estudantil da Venezuela. “Vamos reunir 500 mil estudantes em Caracas.”
A manifestação de hoje na capital é considerada decisiva pelos opositores à reforma constitucional, que será submetida a referendo no domingo. As últimas pesquisas indicam empate técnico entre o “sim” e o “não”. No vazio deixado pela desacreditada e dividida oposição venezuelana, os estudantes lideram a campanha pelo “não”.
Amanhã será a vez de os governistas, mobilizados pelo Comando Zamora, dirigido pelo vice-presidente da República, Jorge Rodríguez, encerrar sua campanha no mesmo lugar. Na última queda-de-braço, dia 21, o governo arregimentou pelo menos 50 mil simpatizantes, muitos deles funcionários públicos e beneficiários de bolsas dos programas sociais, trazidos de todo o país por ônibus fretados com dinheiro público. Já os estudantes caraquenhos foram capazes de reunir poucos milhares de manifestantes contrários à reforma, no mesmo dia.
O fracasso não desanima os estudantes de San Cristóbal, que, no dia 21, também reuniram 50 mil opositores. Noutras capitais do país, também houve dezenas de milhares de manifestantes. “A força estudantil está nas regiões, não em Caracas”, explica Valencia. “Para encher os espaços em Caracas, precisa de muita gente.” Concentrados hoje em Caracas – para onde eles pretendiam trazer cem ônibus hoje -, os estudantes de todo o país aspiram encher a Avenida Bolívar, perto do Palácio Miraflores, sede do governo. Isso, apesar de estar programadas manifestações também nas capitais dos Estados.
Segundo Valencia, o movimento se financia com doações de empresários anônimos, a venda de “bônus da liberdade” no valor de 5 mil bolívares (US$ 10) cada e de 5 mil cópias de uma litografia doada pelo cartunista Pedro León Zapato, do jornal El Universal, vendidas a 250 mil (US$ 50) cada.
A autoconfiança dos estudantes de Táchira tem sua razão: aqui nasceu a onda de protestos que fez ressurgir o movimento estudantil, apático desde a eleição de Chávez, em 1998. Tudo começou em junho do ano passado, durante a eleição para a presidência da Federação dos Centros Universitários da Universidade dos Andes, que abrange os três Estados andinos (Táchira, Mérida e Trujillo). A federação estava nas mãos dos chavistas, que perceberam que iam perder a eleição e conseguiram suspendê-la com uma liminar do Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo governo. O ato foi considerado uma violação da autonomia universitária.
Os estudantes saíram às ruas, liderados por Nixon Moreno, candidato a presidente da federação nos três Estados, e por Angerso Carrero, candidato à direção estadual em Táchira. Os protestos, que duraram uma semana, foram reprimidos pela polícia com veículos blindados e munição real. Moreno teve a prisão decretada, refugiou-se na Nunciatura Apostólica em Caracas e reivindica um salvo-conduto para deixar o país.
Estudantes de outras universidades, incluindo as mais importantes de Caracas, começaram a se manifestar contra o governo. “O que aconteceu aqui despertou a consciência dos estudantes, que estavam cada um cuidando de sua carreira apenas”, recorda Carrero, de 23 anos, que faz jornalismo na Universidade dos Andes. Em maio, o governo não renovou a licença da RCTV, a maior emissora privada do país, por sua postura crítica. A partir daí, “todos os dias havia pelo menos uma universidade nas ruas”, lembra Carrero.
“Dessa geração devem surgir novos líderes de oposição, que poderão estar maduros para a eleição presidencial de 2012”, analisa a pesquisadora Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos (Invesp). Depois do referendo, diz Carrero, os estudantes, muitos deles militantes da juventude dos partidos de oposição, discutirão se criarão um novo partido, ou se proporão a união das forças oposicionistas existentes. Afinal, eles provaram que essa união é possível.