Militantes esquerdistas mobilizam-se contra ‘reforma neoliberal’ que ‘retira poder do povo’
CARACAS
Habituado a desqualificar seus críticos como representantes da “oligarquia de direita”, o presidente Hugo Chávez teve as suas credenciais de esquerdista duramente contestadas por um grupo de velhos guerrilheiros e militantes comunistas venezuelanos. Reunidos num hotel no centro de Caracas, no sábado, os militantes denunciaram a reforma constitucional que vai a referendo no domingo, como um projeto “neoliberal”, que favorece as multinacionais do petróleo, e “autoritário”, que transfere o poder do povo para o Estado.
Douglas Bravo, líder do Partido da Revolução Venezuelana Terceiro Caminho (PRV), avaliou que os conselhos populares, criados por Chávez e ampliados pela reforma, retiram a “autonomia e independência do poder popular”. Na sua visão, a mudança da Constituição, já aprovada na Assembléia Nacional e a ser ratificada no domingo, introduzirá não uma democracia direta, como afirma Chávez, mas um controle “militarista” sobre a população.
“A Constituição de 1999 era neoliberal, mas parlamentar”, disse Bravo, referindo-se à Carta aprovada no primeiro ano do primeiro mandato de Chávez. “A de 2007 é militarista.” Ex-guerrilheiro, Bravo fundou com Chávez, em 1982, o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200), do qual era o líder civil, enquanto Chávez, ainda na ativa, atuava clandestinamente como comandante militar. De acordo com o biógrafo AlbertoGarrido, Douglas foi “o primeiro mentor ideológico de Chávez”.
Para o especialista em petróleo Pablo Hernández, “a essência da reforma” está na legalização das empresas de economia mista para a exploração do petróleo e dos outros recursos minerais, um retrocesso, na visão dele, em relação à nacionalização de 1976. “A partir daí, o capital estrangeiro pode fazer o que quiser no país”, criticou Hernández, ideólogo marxista e professor da Universidade Yacambu. “Quem vai competir com o capital estrangeiro? Em nome do socialismo do século 21 e de (Simón) Bolívar, entregou-se a Faixa do Orinoco (onde se concentra o petróleo venezuelano) ao capital transnacional.”
“Nunca fomos tão rentistas quanto no governo Chávez”, disse Hernández, referindo-se ao uso político da receita do petróleo pelo Estado venezuelano, sem investir no desenvolvimento do país. “Nos últimos 90 anos, a Venezuela tem sido rentista, mas o mais irritante é que no ‘governo revolucionário’ isso se agravou.”
Douglas Bravo lembrou que, em 1996, o PRV entrou com uma ação no Tribunal Supremo de Justiça, para impugnar a abertura do setor petroleiro pelo então presidente Rafael Caldera, com base na Constituição vigente na época. A ação seguiu seu curso no TSJ até 1999, quando foi anulada, porque a nova Constituição, de Chávez, sacramentava a participação das multinacionais, disse Bravo.
De acordo com o líder comunista, Chávez firmou um “pacto” com o Grupo Cisneros, o maior do país, que abandonou uma posição crítica e passou a apoiar o governo. “Precisamos de um pacto popular, que substitua o pacto Cisneros-Chávez-Carter”, propôs aos militantes de esquerda, numa referência a um encontro entre Chávez e o empresário Gustavo Cisneros, mediado pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, em 2004.
“A corrente neoliberal conservadora não chega a 10% do governo e o domina”, observou Bravo. “Mas há correntes revolucionárias de esquerda dentro do governo que precisamos atrair, e há outras forças populares que estão nas ruas, como os estudantes, que não são ricos.”
Os organizadores do encontro mantêm contato com o general Raúl Isaías Baduel, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa, que garantiu o retorno de Chávez ao poder depois de uma tentativa de golpe em 2002, mas rompeu com o governo no início deste mês, por discordar da reforma constitucional. Baduel também participava do MBR-200. Os militantes se comprometeram a “mobilizar” operários, camponeses, índios e militares para um movimento contra a reforma constitucional.