Ela poderá obter votação expressiva na eleição para a Assembleia Nacional no ano que vem, prevê analista
CARACAS
A oposição venezuelana sai mais unida desse referendo, ciente de que só pode derrotar Hugo Chávez em 2012 se tiver candidato único. Mas não será fácil encontrá-lo. Não há lideranças nem afinidades ideológicas – além do confronto a Chávez – que orientem a escolha. De qualquer forma, nas eleições para a Assembléia Nacional do ano que vem, a oposição poderá obter expressiva representação, se repetir a votação de 45% – a maior dos últimos anos.
A análise é do sociólogo Edgardo Lander, de 66 anos, professor da Universidade Central da Venezuela. A menos que haja ameaça de guerra civil ou externa, Lander não acredita que Chávez venha a radicalizar a ponto de cancelar eleições. Ele também não acha que o modelo chavista possa ser reproduzido na região. Em entrevista ao Estado, Lander, um dos analistas políticos de mais prestígio na Venezuela, avaliou o cenário pós-referendo.
Qual a sua avaliação do resultado do referendo?
Indubitavelmente, uma diferença de 10%, ou 1 milhão de votos, é uma vitória de Chávez. Obviamente o resultado mostra o país profundamente dividido.
O que acha da afirmação da oposição, de que foi um bom resultado para ela?
A oposição obteve mais votos que em todos esses anos. Evidentemente foi um avanço para ela. Mas nenhuma pesquisa previa uma diferença tão marcada. É muito significativo também que o nível de abstenção tenha sido tão baixo.
Qual o padrão histórico?
Varia muito. Nas eleições presidenciais, a abstenção é mais alta. Nas regionais e nos referendos, mais baixa. Mesmo assim, nos referendos anteriores, o nível de participação foi, de longe, menor.
O que isso demonstra?
Que o que estava em jogo era muito importante para ambos os lados. O governo claramente sabe que não tinha candidato melhor para a próxima eleição presidencial do que Chávez. E isso também está claro para a oposição. O referendo foi uma espécie de antecipação da eleição de 2012.
A oposição sai mais unida ou mais dividida?
Mais unida. A oposição venezuelana é muito heterogênea. O que os une é a confrontação a Chávez. Quando há um assunto como esse, com uma clara opção entre o sim e o não, a oposição pode atuar de forma unitária. Mas, quando se trata de encontrar um candidato, não há uma liderança clara para construir um consenso. À parte de Chávez, não há uma coerência, um projeto político-ideológico comum.
Então será um grande desafio para a oposição ter candidato único para enfrentar Chávez em 2012?
É óbvio para todos eles que a única forma de fazer oposição realista a Chávez é ter um candidato único. Mas isso não é fácil. Eles podem fazer compromisso em torno de uma metodologia, como, por exemplo, realizar primárias. Já há a movimentação de grupos econômicos que apostam em um ou outro candidato de oposição. Houve um momento em que o único cargo importante de um oposicionista era o do governador do Estado de Zulia, Manuel Rosales. Agora, há outras figuras, como os governadores de Carabobo (Henrique Salas Feo) e Miranda (Henrique Capriles Radonski) e o prefeito de Caracas (Antonio Ledezma). O problema é que cada um deles é de um partido. Eles podem usar suas administrações como plataforma. Isso já está acontecendo. Mas é prematuro falar em candidatos. Faltam quatro anos para as eleições.
A votação nos Estados no referendo de domingo deu projeção a algum governador em especial?
Não. Em geral, o resultado foi similar ao das eleições regionais de novembro, no que se refere a votar contra ou a favor do governo Chávez. As principais exceções são Carabobo, governado pela oposição, onde ganhou o sim, e Mérida (Marcos Díaz), onde o governador apoia Chávez, e venceu o não. Mas por diferenças pequenas, sem relevância. Os governadores acabam de assumir. Não há como vincular o resultado da votação ao desempenho de suas gestões.
O próximo teste são as eleições para a Assembléia Nacional, no ano que vem?
Sim, e poderá haver uma mudança muito significativa na sua composição. Como a oposição boicotou as eleições de 2005 (denunciando fraude), ela se restringe a setores que abandonaram o governo, como o partido Podemos e alguns deputados que votam de forma mais autônoma. Se nas eleições do ano que vem a oposição repetir o desempenho do referendo, 45% dos votos representam uma bancada muito expressiva.
Qual a tendência ideológica majoritária da oposição?
Como eu disse, é muito heterogênea. Há desde setores de direita, que recebem financiamento da Embaixada dos Estados Unidos, até os mais democráticos, que se aproximam da social-democracia. Entre 2002 e 2005, a oposição esteve dominada pela direita mais radical, responsável pela tentativa de golpe contra Chávez, pela greve geral e pelo boicote às eleições. Essa corrente perdeu peso a partir do referendo de 2007, quando ficou claro que era possível derrotar o governo nas urnas, e que o sistema eleitoral era confiável. O movimento estudantil tem servido para mostrar uma cara nova da oposição.
Há, também, a associação dos partidos tradicionais com a corrupção, que possibilitou a ascensão de Chávez?
Claro. A Ação Democrática e o Copei estão totalmente desprestigiados.
Toda essa análise parte da premissa de que continuará havendo eleições. Qual o risco de Chávez radicalizar, depois dessa vitória, e cancelar as eleições?
Não vejo essa possibilidade, a menos que houvesse uma ameaça de guerra civil, de guerra com os Estados Unidos ou com a Colômbia. Só em caso de uma catástrofe.
Há a possibilidade de o modelo chavista ser reproduzido na região?
Não creio que exista modelo exportável. O que aconteceu na Venezuela teve um impacto sobre a Bolívia e o Equador, mas não se pode dizer que está acontecendo a mesma coisa nesses países. O peso da população indígena, a composição social, cultural e histórica deles é muito diferente. A América Latina pode ser comparada a uma mesa de bilhar. Há efeitos-rebote, mas não ocorrem as mesmas coisas. Os projetos de Chávez ou de Morales não podem ser reproduzidos.