Vencedor e ao mesmo tempo o grande derrotado

Chávez terá apoio total no Parlamento, mas fracassou em levar eleitores às urnas

 

CARACAS

Eleições costumam ter ganhadores e perdedores. Não na Venezuela, o país das ambigüidades. De um ponto de vista quantitativo, a vitória foi do governo de Hugo Chávez: a Assembléia Nacional eleita no domingo o brindará com respaldo incondicional e absoluto. De um outro ponto de vista também quantitativo, no entanto, Chávez foi o grande derrotado. Ele mobilizou todo o seu governo, política e logisticamente, para levar os eleitores às urnas, e só conseguiu que um em cada quatro atendessem a seu apelo.

A grande ambigüidade desse processo eleitoral consiste em que, em termos técnicos, legais e formais, ele é inatacável. Tudo foi feito de acordo com a lei. Ninguém impediu que os partidos de oposição participassem. Saíram porque quiseram. O Conselho Nacional Eleitoral chegou a atender a sua exigência de eliminar um mecanismo de leitura de digitais, que, segundo eles, permitia a identificação do voto de cada eleitor. Os observadores internacionais atestaram a lisura do pleito. 

As pesquisas de opinião reservavam um desempenho pobre para os partidos de oposição. Estimava-se que eles elegeriam menos de 20 deputados, num Parlamento unicameral de 167 cadeiras. A razão disso estava na extraordinária abstenção prevista entre os potenciais eleitores oposicionistas, da ordem de 90%. Assim, a decisão da oposição também se revestiu de ambigüidade, sua saída lhe conferindo uma imagem de má perdedora. 

O chanceler Alí Rodríguez Araque estimava ontem que a retirada da Ação Democrática e do Copei, os dois mais tradicionais partidos de oposição, contribuiu com 6 pontos porcentuais da abstenção, que foi de 75%. É possível. A grande maioria dos não-chavistas já havia decidido que não votaria, e o boicote oposicionista parece ter sido mais conseqüência disso do que causa.

De acordo com o instituto Datanálisis, a aprovação do governo Chávez está em 68%. Não é pouco, para quem governa há sete anos. Essa aprovação, que pode estar relacionada aos generosos gastos sociais do governo, impulsionados, em grande parte, pelo alto preço do petróleo, não implica automaticamente uma adesão ideológica. Ainda segundo o Datanálisis, 37% dos venezuelanos se identificam como chavistas; 46%, como não-alinhados, e 13%, como oposicionistas. Assim, haveria, teoricamente, espaço para pelo menos disputar quase metade do eleitorado. 

Entretanto, para entender a “fadiga eleitoral” da oposição venezuelana, como a define o cientista político Carlos Romero, é preciso uma abordagem qualitativa. Ao longo desses sete anos, Chávez tem utilizado todos os recursos à sua disposição – tanto a popularidade quanto os meios oferecidos pelo Estado – para ampliar e perpetuar o seu poder. A popularidade lhe serviu para, por meio de eleições e referendos, moldar a Constituição e as leis de modo a concentrar poder nas suas mãos e compor uma Corte Suprema que atua a seu dispor. Chávez tem os três poderes nas mãos, e mais do que nunca a partir de janeiro do próximo ano.

Mas não é só isso. Sem cerimônia, Chávez usa verbas do governo para financiar os seus “grupos sociais”, como se chamam agora os antigos “círculos bolivarianos”, rebatizados em razão de sua má-fama, mas que continuam atuando como células de mobilização popular de apoio ao presidente. Quando recebem casas, cestas básicas, ajuda de custo para freqüentar a escola, assistência médica, etc., os venezuelanos não consideram que é o Estado ou o governo que lhes está dando isso, mas Chávez, pessoalmente. 

O presidente também usa sem pudor a televisão e a rádio estatais para o seu culto pessoal e o ataque aos adversários. Na TV estatal venezuelana, várias vezes por dia, passa um clip de Chávez declamando um poema libertário, ao som de violões, além de intermináveis bate-papos de partidários do presidente, falando do quanto é boa a sua “revolução bolivariana”, e de como a oposição está entregue ao “imperialismo”. 

Ao lado disso, há ainda a manifesta intenção do presidente de permanecer indefinidamente no cargo. Eleito em 1998, Chávez promulgou uma nova Constituição em 2000. Em 2001, elegeu-se novamente para o que passou a contar como seu primeiro mandato de cinco anos sob a nova Constituição. Em dezembro do ano que vem, já anunciou que será candidato à reeleição. 

Agora, com absoluto controle sobre a Assembléia Nacional, especula-se que ele deverá mudar a lei novamente, permitindo uma segunda reeleição. Com isso, se sua popularidade se mantiver, Chávez poderá ser presidente pelo menos até o início de 2017, quando terá completado 18 anos no poder.

 

É essa capilaridade do poder de Chávez, essa confusão entre Estado, governo e partido, e esse ímpeto de perpetuação no poder que assusta os intelectuais e a classe média venezuelana.

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