Às vésperas da eleição, atentado suicida do Taleban mata 10 em Cabul

Grupo tenta intimidar eleitores e Afeganistão vive um dos dias mais violentos desde a invasão do país, em 2001

CABUL – O Taleban provou ontem mais uma vez sua capacidade de driblar o extraordinário aparato de segurança montado em Cabul para assegurar a realização das eleições de amanhã. Atentado suicida com carro-bomba reivindicado pelo grupo matou sete civis, um militar britânico e dois funcionários civis da missão da ONU no Afeganistão. A forte explosão, ocorrida por volta das 13 horas locais (5h30 em Brasília), também deixou feridos 53 civis afegãos e 2 militares britânicos.

Foi o segundo carro-bomba em três dias em Cabul. No sábado, atentado semelhante matou 7 civis e feriu 91 pessoas, incluindo quatro militares das forças internacionais e quatro policiais afegãos. O autor do atentado entrou com o carro, um Corolla cinza, no meio de um comboio militar britânico de três veículos, numa estrada que leva para a base aérea de Bagram. Ele se chocou com o carro do meio e detonou os explosivos. Vários veículos pegaram fogo.

Ontem foi um dos dias mais violentos do Afeganistão, em meio a uma escalada do conflito entre as forças internacionais e afegãs, de um lado, e os taleban, de outro, que procuram intimidar os eleitores a não comparecerem amanhã para votar para presidente e para os conselhos das 34 províncias.

Granadas de morteiros foram lançados contra Cabul, uma caindo perto do palácio presidencial, e outra numa delegacia de polícia, sem deixar feridos. A explosão de uma bomba numa estrada na província de Helmand, no sul, matou um casal, cinco filhos e quatro filhas, que viajavam numa van.

Na provincia de Uruzgan, também no sul, um suicida detonou seus explosivos nos portões de uma base do Exército afegão, matando três soldados e dois civis. Dois militares americanos morreram e três ficaram feridos com a explosão de uma bomba numa estrada no leste do país. Finalmente, oito taleban e dois policiais morreram durante combate no norte do país.

As forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que combatem os taleban no sul, confirmaram que vão suspender todas as operações para a realização das eleições. O chefe do serviço secreto afegão, Amrullah Saleh, disse no domingo que havia negociações entre líderes tribais e comandantes locais do Taleban para uma trégua na quinta-feira. Parece não haver “coesão de comando” entre os taleban locais, disse ele, e pode ser que alguns acordos sejam obedecidos. Mas o Taleban não parece disposto a uma trégua. Em entrevista ao Estado, publicada ontem, Qari Yousef Ahmadi, porta-voz do movimento, desmentiu que haja essas negociações.

“Os Emirados Islâmicos deixam agora claro para o povo que o resultado desta eleição nunca será aceitável”, afirma comunicado do Taleban enviado ontem por email aos jornalistas. “A comunidade internacional e nossos concidadãos não devem ver esse processo como florescente nem como afegão.”

Cabul está sob alerta vermelho desde o atentado de sábado, em frente ao quartel-general da Otan e do Exército afegão, a menos de 100 metros da embaixada americana – a área mais protegida da capital. Por toda parte há policiais e militares, com os dedos nos gatilhos de seus fuzis-metralhadoras. Barricadas de blocos de concreto e sacos de areia protegem todos os edifícios. Para entrar no seu hotel, na área central de Cabul, o repórter do Estado passa por cinco homens armados de fuzis, até chegar a um pátio em que outro homem se protege detrás de uma barricada de sacos de areia, com uma pequena janela da qual desponta o seu fuzil.

O ministro da Defesa, Abdul Rahim Wardak, disse no domingo que terroristas suicidas são inimigos muito difíceis de enfrentar, que não podia garantir que não haveria mais atentados e que, para evitá-los por completo, seria necessário revistar todos os carros da cidade. “Não vamos ceder à pressão do inimigo para mudar o estilo de vida dos cidadãos nem violar seus direitos”, disse ele. Mas ontem um bloqueio da polícia revistava aleatoriamente carros que passavam numa avenida a cerca de 3 km do local do atentado.

As ruas de Cabul tinham ontem bem menos movimento do que de costume. Muitas pessoas estão saindo só por motivos essenciais. Funcionários estrangeiros de agências da ONU, de organizações não-governamentais e de empresas deixaram o país, para só voltar depois das eleições. Hoje é feriado do dia da independência do Afeganistão. Amanhã, dia das eleições, o tráfego de veículos estará proibido. O Ministério das Relações Exteriores emitiu comunicado recomendando aos meios de comunicação afegãos e estrangeiros que não noticiem incidentes violentos entre 6 horas e 20 horas de amanhã, “para assegurar ampla participação do povo afegão nas eleições”.

As ameaças do Taleban e sua visível disposição de cumpri-las mudaram, sim, a rotina dos afegãos. 

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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