Diferenças de etnias não pesaram na hora do voto

Política preocupou mais os eleitores que saíram para votar confiando no rigoroso esquema de segurança

CABUL – Dentre os afegãos que foram às urnas ontem em Cabul, uma coisa chamava a atenção, além da coragem de arriscar a vida pelo voto: a dissociação entre etnia e política.

Por volta de 7h30, uma bomba pequena explodiu numa lata de lixo em frente à escola Amina-e Fedawi, seção eleitoral no bairro de Shah Shahid, de maioria pashtun, no sul de Cabul. “Ninguém ficou com medo”, garantiu um agente do Diretório Nacional de Segurança (NDS), o serviço de inteligência afegão, que controlava o acesso à escola, sentado na sombra de uma tenda de madeira e palha. Embora a lei proíba propaganda nas imediações das seções eleitorais, o agente exibia um boné e um broche do presidente Hamid Karzai.

“Apesar das ameaças, vim votar porque o governo do Afeganistão agora está nas mãos dos afegãos”, disse Meya Gul Zagai, de 60 anos, um motorista do governo aposentado, de etnia pashtun. “Ouvi a explosão de casa, mas bombas não podem desmoralizar as pessoas”, acrescentou Zagai, que levou o neto Mohammed, de seis anos.

O colete da Comissão Eleitoral Independente (CEI) torna a professora Sahaba Malik, de 40 anos, um alvo do Taleban. “Não tenho medo, porque já sabíamos que o inimigo do país tentaria perturbar a eleição”, disse Sahaba, coordenadora da ala feminina da seção eleitoral.

Mas nem todos saíram de casa sem hesitar. Zaheb Shah Totakhal, de 22 anos, dono de uma loja, confessou que ficou com medo por causa dos atentados suicidas com carros-bomba em Cabul – que mataram 7 pessoas no sábado e 10 na terça-feira, além de um total de 144 feridos. “Depois de ver TV e ouvir rádio, achei que podia vir, porque a seção eleitoral estava bem protegida.” Totakhal, de etnia pashtun, votou em Karzai, também pashtun, por causa de sua experiência em governar.

“Estamos com medo, mas é nossa obrigação votar, por nosso país, para nossos filhos viverem em paz e terem emprego”, disse Bibi Robiah, de 45 anos, ajeitando a burca azul, cuja parte de cima tinha retirado para votar. De etnia tajique, ela votou no ex-chanceler Abdullah Abdullah, também tajique.

Mas essa relação não é necessária. Sayed Bahram, de 20 anos, também tajique, votou em Karzai. “Não tenho medo de ninguém, a não ser de Deus”, disse Bahram, que terminou o ensino médio, estuda inglês, e também estava trabalhando para a CEI, que paga US$ 20 pelo dia na seção eleitoral. Nias Mohammed, de 23 anos, funcionário do Ministério das Finanças, decidiu-se por Abdullah na última hora, sem saber que ele era tajique: “Sou tajique e votei nele, que é pashtun. Isso não tem importância para mim.”

O bairro Kart-e Sakhi, oeste da cidade, concentra a população hazara, minoria de origem mongol. Há um candidato hazara, o ex-ministro do Planejamento e deputado Ramazan Bashardost, em terceiro lugar na pesquisa do Instituto Republicano Internacional, com 10% (coincidentemente a mesma porcentagem do grupo étnico na população afegã). Mas o feirante hazara Sayed Hussein Dod, de 60 anos, morador do bairro, nem pensou em votar em Bashardost: “Meu coração me disse para votar em Karzai.”

Já a professora de inglês Manizha Ghazan Fary, de 29 anos, também hazara, votou nele: “Não porque é hazara. Não levo isso em conta. Mas porque é uma pessoa confiável.” Manizha, que ganha US$ 30 por mês, tem uma aspiração bastante universal: “Espero que ele aumente os salários dos funcionários públicos e dos professores.” Ela saiu de casa sem medo. “A segurança estava muito rigorosa”, disse Manizha, observada pelos quatro policiais que guardavam a entrada da escola, e por outros três funcionários, encarregados de revistar os eleitores.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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